Por Jacqueline do Prado Valles
Uma das primeiras propostas de Sérgio Moro como ministro da Justiça e Segurança Pública tem gerado grande repercussão e dividido opiniões entre advogados. O fato é que o ex-magistrado pretende adotar o plea bargain na legislação brasileira a fim de aumentar a eficácia da Justiça Criminal.
Apesar do apoio da Secretaria de Relações Institucionais da Procuradoria-geral da República e a Câmara Criminal do Ministério Público Federal (MPF), declarado recentemente, o projeto ainda está em discussão no ministério e só será apresentado ao Congresso em fevereiro. Mas será que a novidade seria, de fato, positiva para combater a criminalidade e desafogar o Judiciário?
O que é o plea bargain?
Tipicamente norte-americano, o dispositivo jurídico consiste em um acordo entre o MPF e o réu, garantindo a diminuição da pena em caso de confissão. Ou seja, é oferecida ao acusado, antes mesmo da abertura da ação penal, uma punição mais branda caso ele assuma a culpa pelo crime sem contestar. Evitando, assim, que o caso siga para julgamento.
Como funciona nos EUA
O plea bargain é muito comum nos Estados Unidos, onde é legalizado e funciona de forma regular. No país, entre 90% e 95% dos casos são resolvidos com o acordo.
Ou seja, apenas uma pequena parcela dos casos segue com o processo e investigação para, enfim, julgar o cidadão. Apesar de à primeira vista parecer uma solução positiva para acelerar todo o processo e diminuir o gargalo de casos esperando por julgamento, a iniciativa provou não ser efetiva para diminuir a criminalidade no país norte-americano.
Como reflexo, são 2,1 milhões de presos, com a proporção de 655 para cada 100 mil habitantes. Para efeito comparativo, temos pouco mais de 700 mil presos no Brasil, com um sistema carcerário que já sofre com a superlotação. Os dados são do site http://www.prisonstudies.org.
Funcionaria no Brasil?
Desde os anos 90 temos um mecanismo parecido para crimes de menor potencial ofensivo – previsto na lei 9.099/95 – no qual atinge os delitos com penas de até 2 anos. Mas o plea bargain é diferente, pois o réu não se torna culpado ou prova que é inocente, ele simplesmente não apresenta defesa e assume o crime sendo penalizado com uma sanção menor.
Apesar da aparente vantagem, é importante reforçar que nesse caso não haveria nenhuma defesa.
Se em um caso de um homicídio o réu poderia ser condenado a uma pena de até 30 anos, ao aceitar o acordo ele teria uma pena mais branda, com a diminuição de 10 anos, por exemplo.
Muitas pessoas podem pensar “se ele for inocente, não tem o que temer. Logo, se aceitou o acordo, ele é culpado”. Esse pensamento não deve ser considerado um raciocínio exato, pois há muitos erros de investigação que somente são apurados durante a defesa em juízo, algo que não ocorreria numa situação de plea bargain.
Nessa semana tivemos a notícia de uma pessoa que foi presa após a mãe da vítima de latrocínio reconhecê-lo na delegacia como o atirador do disparo que matou seu filho. Ele foi encaminhado para um juízo prévio e a acusação pediu a prisão preventiva, que foi deferida pelo juiz. Somente após a família ter apresentado provas de que o rapaz preso tinha sido filmado em outro local no momento do crime que o juiz resolveu libertá-lo. Nesse caso, a família do acusado apresentou as provas, mas, se ele não tivesse esse amparo familiar, as autoridades policiais e judiciais já haviam o considerado culpado para a proposição de um acordo. Muito provavelmente, o acusado, no momento de desespero, teria aceitado qualquer situação que pudesse beneficiá-lo em um contexto tão terrível de atos contra ele.
Muitos, por medo de seguir com o julgamento, perder o processo ou acabar com uma pena maior, acabariam aceitando o acordo, mesmo não se considerando culpados. Como consequência, além de possíveis injustiças, haveria um crescimento drástico da massa carcerária brasileira, que atualmente já não comporta o número de presos.
O projeto seria um retrocesso, pois todos seriam penalizados ao não investigar e provar inocência ou culpa. O reflexo seria muito ruim, principalmente na parcela mais simples da sociedade, que não conseguiria recorrer por não contratar um advogado e aceitaria o acordo para não correr risco de uma pena mais severa.
Outro problema é a ilusão de que o plea bargain seria positivo ao país por economizar com o Poder Judiciário. Economiza-se, sim, ao eliminar um dos processos, mas o gasto com as cadeias será muitas vezes maior para conseguir comportar o grande volume de presidiários.
Além disso, as pessoas seriam penalizadas pelo simples fato de se declararem culpadas, não por um devido julgamento. Adotar esse modelo seria ir contra a própria natureza do processo penal brasileiro, que é investigar e ir atrás de provas.