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Mudanças na Lei contra a lavagem de dinheiro

O Programa Alesp Conecta, realizado de forma virtual pela Rede Alesp, recebe como convidada Dra. Jaqueline Valles, advogada criminalista, para falar sobre Mudanças na Lei contra a lavagem de dinheiro.

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Afinal, por que é preciso mudar a Lei de Lavagem de Dinheiro?

A Câmara dos Deputados instalou uma comissão de juristas para elaborar um anteprojeto de reforma da Lei de Lavagem de Dinheiro, de 1998, com a participação de 19 integrantes, entre magistrados, membros do Ministério Público, Supremo Tribunal de Justiça e especialistas. Mas, afinal, por que é preciso modificar a Lei 9613/98? A jurista e mestre em Direito Penal Jacqueline Valles defende a reformulação e diz que algumas distorções em decisões judiciais, confundindo lavagem de dinheiro com outros desvios financeiros, tanto em âmbito particular, quanto em campanhas eleitorais, reforçam a necessidade de aperfeiçoar a norma.

Segundo Jacqueline, por causa dessa ‘confusão’, algumas decisões entenderam que o crime popularmente conhecido por Caixa 2, e o crime de falsidade ideológica, poderiam ser integrados com a lavagem de dinheiro, que tem uma pena maior, de até 10 anos de reclusão.

A mestre em Direito Penal explica que a lavagem de dinheiro é um ato no qual a pessoa dissimula ou oculta a origem criminosa de um valor para dar uma roupagem lícita e apresentar no mercado de forma clara. “Muitas decisões, inclusive na Operação Lava Jato, fizeram com que alguns membros do Poder Judiciário entendessem que crimes de falsidade ideológica, previsto no artigo 299 do Código Penal, fossem caracterizados como lavagem de dinheiro. Mas são atos distintos. Há uma diferença enorme entre falsificar a verdade em um documento e dissimular a origem criminosa de um valor. Mas como o crime de lavagem de dinheiro tem uma pena mais grave, de 3 a 10 anos de reclusão, para dar uma resposta aos anseios da sociedade por punição à corrupção, passou-se a entender que a falsidade ideológica era considerada lavagem de dinheiro. É isso que precisa ser corrigido”, avalia.

Jacqueline diz que o crime de lavagem de dinheiro é muitas vezes invocado também para tipificar um crime eleitoral, previsto no artigo 350 do Código Eleitoral. “Esse artigo diz que a omissão ou declaração falsa em algum documento público com fim eleitoral é crime. Neste caso, a pena e de até 5 anos de reclusão. Se o documento for particular, cai para 3 anos, uma pena relativamente branda. Ocorre que, novamente, o Judiciário, atendendo a um apelo popular, passou a considerar este crime eleitoral como lavagem de dinheiro”, completa.

Para que não haja mais ‘confusão’, defende a jurista, é preciso reformular a Lei 9613 para que ela limite e conceitue de forma muito mais segura o que é a lavagem de dinheiro. Isso permitirá que ela não seja aplicada de forma subsidiária para tentar impor a pena mais gravosa. “Não podemos atender aos anseios do povo ignorando as leis ou escolhendo esta ou outra para que a pena seja maior. É preciso seguir a norma. Se ela dá margem a outras aplicações, a solução é passar por uma atualização”, argumenta a criminalista.

Jacqueline é taxativa ao afirmar que a mudança não provocará o afrouxamento no combate ao crime, nem beneficiará os criminosos com a impunidade. “Não vai haver uma insegurança, nem deixaremos de punir os criminosos. O que vai acontecer é que cada ato terá a punição adequada à lei e não será possível encaixar alguns atos de acordo com as penas que forem mais graves, não respeitando aí o princípio do crime”, finaliza a jurista.

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Início de campanha eleitoral neste domingo (27) mobiliza partidos

* Matéria publicada originalmente nos portais R7, Novo Extra, Guaiba, Acontece no RS, TVGC, Blog do Riella, Expresso do Este, Correio do Povo, G7 Salgueiro, Midiacom News, Tudo OK Noticias, Nas Noticias, Araraquara 24 Horas, Radio Santa Cruz, AU Online, Radio Aratiba.

A largada para a campanha dos postulantes aos cargos de prefeitos, vice-prefeitos e vereadores nas eleições municipais de 2020 será dada neste domingo (27), conforme prevê a resolução do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que libera a propaganda eleitoral.

A partir desta data, podem ser distribuídos santinhos, folhetos, volantes e outros impressos. Porém, o material deverá ser editado sob a responsabilidade do partido político, coligação ou candidato.

Estão proibidas a confecção, utilização e distribuição por comitês partidários — ou com a sua autorização — de camisetas, chaveiros, bonés, canetas, brindes, cestas básicas e outros bens ou materiais que possam proporcionar vantagens ao eleitor.

Já a colocação de mesas para distribuição de material de campanha e a utilização de bandeiras ao longo das vias públicas estão autorizadas pelas autoridades eleitorais, desde que móveis e que não dificultem a passagem de pessoas e veículos. A mobilidade estará caracterizada pela colocação e retirada dos materiais entre 6h e 22h.

Outras estratégias tradicionais, tais como carreatas e o corpo a corpo com os eleitores podem ser comprometidas pela pandemia do novo coronavírus. A crise sanitária provocou o adiamento do calendário eleitoral, remarcado para os dias 15 e 29 de novembro, datas do primeiro e segundo turno, respectivamente.

No entanto, os chamados “showmícios” estão proibidos, assim como eventos assemelhados para a promoção de candidatos e a apresentação — remunerada ou não — de artistas. A restrição não atinge candidatos da classe artística, que poderão exercer a profissão no período eleitoral, desde que não envolva animação de comício, participação em programas de rádio e de televisão ou alusão à candidatura ou campanha.

Punições por desrespeito às regras

A jurista e advogada especializada em direito penal e criminologia Jacqueline Valles ressalta que os candidatos inscritos na disputa eleitoral deste ano devem ter cuidados especiais com dois aspectos muito relevantes para a sociedade nos tempos atuais: a pandemia da covid-19 e as fake news.

O desrespeito às regras sanitárias, como o incentivo à formação de aglomerações de pessoas que facilite a disseminação da doença contagiosa, poderá incidir em punições estabelecidas pela Justiça Eleitoral e pelo Código Penal Brasileiro.

“Se faço algo que infringe essa determinação do poder público, estou inserido no crime do artigo 268 do Código Penal. Então, aquele candidato que desrespeitar, fizer comício, aglomeração de forma desatenciosa nessa determinação [receberá] de um mês a um ano de prisão e multa”, explicou a jurista.

Jacqueline Valles acrescentou ainda que, nessa eleição, o candidato também poderá ser enquadrado pelas autoridades competentes no Artigo 323 do Código Eleitoral (Lei 4737/65) por estimular a desinformação, em caso de conhecimento ou conivência com a propagação de notícias falsas durante a campanha, seja via internet ou mensagem de dados.

“O candidato comete o crime eleitoral do Artigo 323, que pode ter detenção de dois meses a um ano. Independente dos crimes contra honra, [temos] calúnia, injúria e difamação. Esse tipo de atenção que temos que ter nesses dias atuais é de grande relevância, porque ad faked news desrespeitam a sociedade”, afirmou.

A jurista Jacqueline Valles lembrou que o candidato desatento a esse tipo de comportamento poderá prejudicar também o seu partido político. “O seu diretório poderia ser suspento pelo Tribunal Eleitoral [por um período] de seis meses a um ano, se ficar comprovado que essas atitudes maléficas foram feitas sob a sua observação ou sua conivência”, complementou a especialista.

Detalhamento de normas

Mais informações sobre as regras para a propaganda eleitoral podem ser obtidas no site do TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo). O link com todas as normas é pode ser acessado aqui.

Confira outras práticas permitidas pelo durante a campanha eleitoral deste ano:

Bens particulares — É autorizada a propaganda por meio da afixação de adesivo ou papel, com dimensão de até 0,5 m². Em veículos, são permitidos adesivos microperfurados até a extensão total do para-brisa traseiro e, em outras posições, adesivos até a dimensão máxima de 50cm x 40cm. A propaganda deve ser espontânea e gratuita, vedado qualquer pagamento em troca do espaço;

Comícios — É permitida a realização de comícios e a utilização de aparelhagem de sonorização fixa e trio elétrico entre 8 e 24 horas, com exceção do comício de encerramento da campanha, que poderá ser prorrogado por mais duas horas. O uso de alto-falantes ou amplificadores de som é admitido entre 8 e 22 horas, mantida a distância de, pelo menos, 200 metros de hospitais e casas de saúde, escolas, igrejas, bibliotecas públicas e teatros quando em funcionamento, além de tribunais e sedes dos Poderes Executivo e Legislativo;

Jornais e revistas — O candidato está autorizado a divulgar até dez anúncios por veículo de comunicação social, em datas diversas. O valor pago pela publicação deverá constar, de forma visível. A dimensão máxima do anúncio é um oitavo de página de jornal padrão e um quarto de página de revista ou tabloide. Esse impresso pode ser reproduzido também na internet, desde que no sítio do próprio jornal.

Internet — Também é autorizada a propaganda eleitoral na internet. A liberdade de manifestação do pensamento na rede está sujeita à limitação quando houver ofensa à honra de terceiros ou divulgação de fatos sabidamente inverídicos, inclusive antes de 27 de setembro. É vedado o anonimato e assegurado o direito de resposta. A legislação também admite o uso de mensagem eletrônica.

A propaganda eleitoral na internet pode ser: em sítio do candidato, do partido ou da coligação, com endereço eletrônico comunicado à Justiça Eleitoral e hospedado, direta ou indiretamente, em provedor de serviço de internet estabelecido no país; por meio de mensagem eletrônica para endereços cadastrados gratuitamente pelo candidato, partido ou coligação; por meio de blogues, redes sociais, sítios de mensagens instantâneas e aplicações de internet assemelhadas cujo conteúdo seja gerado ou editado por candidatos, partidos, coligações ou qualquer pessoa natural. Somente candidatos, partidos e coligações podem contratar impulsionamento de conteúdos.

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Portaria sobre estupro viola direito constitucional à dignidade e intimidade

*Matéria Publicada Originalmente nos Portais Ambito Jurídico e Blog Flávia Andrade

A lei que permite à vítima de estupro abortar sem recorrer à Justiça ou à polícia para conseguir autorização foi criada para garantir o bem-estar e proteger essa pessoa da mais cruel violência que se comete contra uma mulher. Mas isso pode mudar com a Portaria 2282, publicada sob a justificativa de ajudar a polícia a identificar o autor da violência sexual. “Na prática, a publicação é uma tentativa de evitar que a mulher exerça o direito legal ao aborto em caso de crime sexual e se configura como uma nova violência contra a mulher, que já foi vítima de estupro”, comenta a jurista mestre em Direito Penal Jacqueline Valles.

A nova determinação do governo federal obriga a vítima a reviver a violência que sofreu, “impondo que o médico promova um interrogatório sobre a dinâmica do crime, sobre as características físicas do estuprador, atribuindo a ele a função de investigador de polícia e o obrigando a acionar as autoridades policiais, sem levar em conta a vontade da vítima”, explica a jurista.

Pela portaria 2282, o médico também será obrigado a fazer um ultrassom para visualizar o tamanho do feto e confrontar com a data em que a vítima relatou ter sido violentada. “Há um constrangimento duplo, tanto para a vítima, quanto para o médico, desvirtuando a sua função que é meramente a de proteger a saúde de sua paciente”, completa Jacqueline.

A lei atual determina que a mulher que for vítima de um estupro e engravidou tem o direito de interromper a gestação. Ela precisa apenas procurar um hospital do Sistema Único de Saúde (SUS), relatar o crime, solicitar o procedimento e ao médico cabe encaminhar para as unidades que realizam o aborto. Se a mulher optar por procurar um médico particular, ela tem que escrever uma declaração de próprio punho, sem a obrigatoriedade de denunciar o crime. “A lei foi construída para simplificar o processo e minimizar o sofrimento da vítima. Ela tem o caráter de protegê-la, sem obrigar que procure a polícia. Muitas mulheres interrompem a gravidez provocada por um estupro sem denunciar o crime”, diz.

A jurista argumenta que, antes de tentar punir o estuprador, é preciso resguardar a mulher e sua dignidade. “Eu tenho que respeitar a vontade da vítima, que está fragilizada, traumatizada e não quer reviver a violência. Mesmo sendo um crime de ação penal pública incondicionada, ou seja, que não depende da vontade da vítima para o Estado agir, é preciso respeitar a vontade dela. E isso acontece com qualquer outro crime. Se a pessoa for roubada, ela não é obrigada a ir à delegacia para relatar o crime. Por que isso deveria ocorrer com o crime de estupro, que é muito mais traumático para a mulher?”, questiona.

A criminalista reforça que a necessidade de cassar e punir os estupradores não pode se sobrepor ao bem-estar da vítima. “Não podemos violentar ainda mais a mulher em nome da Justiça. Além de desumana, a portaria 2282 fere os princípios constitucionais da dignidade e da intimidade. O que se espera da publicação de uma portaria é que ela seja redigida sob a ótica do respeito aos princípios estabelecidos na nossa Constituição e não foi isso que aconteceu neste caso”, finaliza Jacqueline.

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Entenda a decisão do STJ que mandou soltar 1100 traficantes

* Matéria publicada originalmente nos portais Rádio Sanca, Popularmais, RMC Urgente, Folha Noroeste, O Imparcial, Clique ABC, Portal Ribeirão Preto, Gazeta Rio Preto, O Democrata, Lex Prime e Âmbito Jurídico.

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou a soltura de todos os presos condenados por tráfico privilegiado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo e que cumprem pena de um ano e oito meses em regime fechado. A decisão atingirá cerca de 1100 presos de São Paulo. Mas, afinal, o que é o tráfico privilegiado e por que o STJ determinou a soltura destes condenados?

A jurista e mestre em Direito Penal Jacqueline Valles explica que o tráfico privilegiado está previsto na Lei de Drogas. O parágrafo 4º do artigo 33 da Lei 11.343/2006 determina que condenados pelo tráfico de drogas terão a pena reduzida, de um sexto a dois terços, quando forem reconhecidamente primários, possuírem bons antecedentes e não se dedicarem a atividades criminosas, nem integrarem organização criminosa.

“Esta lei faz uma distinção entre o tratamento dado ao traficante de alta periculosidade, aquele que faz do tráfico uma profissão, e o tratamento dado ao que cometeu o crime de forma esporádica, sem violência. O legislador não pode tratá-los da mesma maneira, são formas diferentes de lidar com o crime”, observa a criminologista.

A decisão do STJ proíbe que juízes e desembargadores de São Paulo apliquem regime fechado aos que se enquadram no perfil exposto pela lei. Além disto, o Judiciário paulista deve fazer a correção quanto aos que já cumprem pena nesta situação. “Um traficante que não é réu primário, não tem bons antecedentes criminais e integra organização criminosa vai continuar com uma pena de 5 a 15 anos, já o que não possui esse perfil e foi pego com drogas, pode ter a pena reduzida para até um ano e oito meses”, explica Jacqueline.

Na avaliação da jurista, a lei não representa uma tolerância ao crime organizado, mas se faz necessária para “diferenciar os criminosos para que o cárcere seja aplicado a quem é, de fato, perigoso”.

A decisão do STJ segue a linha de pensamento do Supremo Tribunal Federal (STF), que desconsiderou o caráter hediondo do tráfico privilegiado e autorizou uma punição mais branda. “A pessoa que for condenada a este tempo menor, por um crime cometido sem violência, deve ser tratada como os outros criminosos que também têm pena baixa e não são presos. Como prevê a legislação, nesses casos a pena tem que ser convertida em prestação de serviços à comunidade ou doação de cestas básicas, por exemplo. O cárcere fica destinado ao traficante que faz do crime sua atividade diária, que está vinculado a facções criminosas e que age com violência”, conclui a jurista.

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Portaria sobre estupro viola direito constitucional à dignidade e intimidade

*Artigo publicado originalmente no Jornal Jurid

A lei que permite à vítima de estupro abortar sem recorrer à Justiça ou à polícia para conseguir autorização foi criada para garantir o bem-estar e proteger essa pessoa da mais cruel violência que se comete contra uma mulher. Mas isso pode mudar com a Portaria 2282, publicada sob a justificativa de ajudar a polícia a identificar o autor da violência sexual. “Na prática, a publicação é uma tentativa de evitar que a mulher exerça o direito legal ao aborto em caso de crime sexual e se configura como uma nova violência contra a mulher, que já foi vítima de estupro”, comenta a jurista mestre em Direito Penal Jacqueline Valles.

A nova determinação do governo federal obriga a vítima a reviver a violência que sofreu, “impondo que o médico promova um interrogatório sobre a dinâmica do crime, sobre as características físicas do estuprador, atribuindo a ele a função de investigador de polícia e o obrigando a acionar as autoridades policiais, sem levar em conta a vontade da vítima”, explica a jurista.

Pela portaria 2282, o médico também será obrigado a fazer um ultrassom para visualizar o tamanho do feto e confrontar com a data em que a vítima relatou ter sido violentada. “Há um constrangimento duplo, tanto para a vítima, quanto para o médico, desvirtuando a sua função que é meramente a de proteger a saúde de sua paciente”, completa Jacqueline.

A lei atual determina que a mulher que for vítima de um estupro e engravidou tem o direito de interromper a gestação. Ela precisa apenas procurar um hospital do Sistema Único de Saúde (SUS), relatar o crime, solicitar o procedimento e ao médico cabe encaminhar para as unidades que realizam o aborto. Se a mulher optar por procurar um médico particular, ela tem que escrever uma declaração de próprio punho, sem a obrigatoriedade de denunciar o crime. “A lei foi construída para simplificar o processo e minimizar o sofrimento da vítima. Ela tem o caráter de protegê-la, sem obrigar que procure a polícia. Muitas mulheres interrompem a gravidez provocada por um estupro sem denunciar o crime”, diz.

A jurista argumenta que, antes de tentar punir o estuprador, é preciso resguardar a mulher e sua dignidade. “Eu tenho que respeitar a vontade da vítima, que está fragilizada, traumatizada e não quer reviver a violência. Mesmo sendo um crime de ação penal pública incondicionada, ou seja, que não depende da vontade da vítima para o Estado agir, é preciso respeitar a vontade dela. E isso acontece com qualquer outro crime. Se a pessoa for roubada, ela não é obrigada a ir à delegacia para relatar o crime. Por que isso deveria ocorrer com o crime de estupro, que é muito mais traumático para a mulher?”, questiona.

A criminalista reforça que a necessidade de cassar e punir os estupradores não pode se sobrepor ao bem-estar da vítima. “Não podemos violentar ainda mais a mulher em nome da Justiça. Além de desumana, a portaria 2282 fere os princípios constitucionais da dignidade e da intimidade. O que se espera da publicação de uma portaria é que ela seja redigida sob a ótica do respeito aos princípios estabelecidos na nossa Constituição e não foi isso que aconteceu neste caso”, finaliza Jacqueline.

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Portaria sobre estupro viola direito constitucional à dignidade e intimidade

A lei que permite à vítima de estupro abortar sem recorrer à Justiça ou à polícia para conseguir autorização foi criada para garantir o bem-estar e proteger essa pessoa da mais cruel violência que se comete contra uma mulher. Mas isso pode mudar com a Portaria 2282, publicada sob a justificativa de ajudar a polícia a identificar o autor da violência sexual. “Na prática, a publicação é uma tentativa de evitar que a mulher exerça o direito legal ao aborto em caso de crime sexual e se configura como uma nova violência contra a mulher, que já foi vítima de estupro”, comenta a jurista mestre em Direito Penal Jacqueline Valles.

A nova determinação do governo federal obriga a vítima a reviver a violência que sofreu, “impondo que o médico promova um interrogatório sobre a dinâmica do crime, sobre as características físicas do estuprador, atribuindo a ele a função de investigador de polícia e o obrigando a acionar as autoridades policiais, sem levar em conta a vontade da vítima”, explica a jurista.

Pela portaria 2282, o médico também será obrigado a fazer um ultrassom para visualizar o tamanho do feto e confrontar com a data em que a vítima relatou ter sido violentada. “Há um constrangimento duplo, tanto para a vítima, quanto para o médico, desvirtuando a sua função que é meramente a de proteger a saúde de sua paciente”, completa Jacqueline.

A lei atual determina que a mulher que for vítima de um estupro e engravidou tem o direito de interromper a gestação. Ela precisa apenas procurar um hospital do Sistema Único de Saúde (SUS), relatar o crime, solicitar o procedimento e ao médico cabe encaminhar para as unidades que realizam o aborto. Se a mulher optar por procurar um médico particular, ela tem que escrever uma declaração de próprio punho, sem a obrigatoriedade de denunciar o crime. “A lei foi construída para simplificar o processo e minimizar o sofrimento da vítima. Ela tem o caráter de protegê-la, sem obrigar que procure a polícia. Muitas mulheres interrompem a gravidez provocada por um estupro sem denunciar o crime”, diz.

A jurista argumenta que, antes de tentar punir o estuprador, é preciso resguardar a mulher e sua dignidade. “Eu tenho que respeitar a vontade da vítima, que está fragilizada, traumatizada e não quer reviver a violência. Mesmo sendo um crime de ação penal pública incondicionada, ou seja, que não depende da vontade da vítima para o Estado agir, é preciso respeitar a vontade dela. E isso acontece com qualquer outro crime. Se a pessoa for roubada, ela não é obrigada a ir à delegacia para relatar o crime. Por que isso deveria ocorrer com o crime de estupro, que é muito mais traumático para a mulher?”, questiona.

A criminalista reforça que a necessidade de cassar e punir os estupradores não pode se sobrepor ao bem-estar da vítima. “Não podemos violentar ainda mais a mulher em nome da Justiça. Além de desumana, a portaria 2282 fere os princípios constitucionais da dignidade e da intimidade. O que se espera da publicação de uma portaria é que ela seja redigida sob a ótica do respeito aos princípios estabelecidos na nossa Constituição e não foi isso que aconteceu neste caso”, finaliza Jacqueline.

Jacqueline Valles é Jurista e Mestre em Direito Penal

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Portaria sobre estupro viola direito constitucional à dignidade e intimidade

A lei que permite à vítima de estupro abortar sem recorrer à Justiça ou à polícia para conseguir autorização foi criada para garantir o bem-estar e proteger essa pessoa da mais cruel violência que se comete contra uma mulher. Mas isso pode mudar com a Portaria 2282, publicada sob a justificativa de ajudar a polícia a identificar o autor da violência sexual. “Na prática, a publicação é uma tentativa de evitar que a mulher exerça o direito legal ao aborto em caso de crime sexual e se configura como uma nova violência contra a mulher, que já foi vítima de estupro”, comenta a jurista mestre em Direito Penal Jacqueline Valles.

A nova determinação do governo federal obriga a vítima a reviver a violência que sofreu, “impondo que o médico promova um interrogatório sobre a dinâmica do crime, sobre as características físicas do estuprador, atribuindo a ele a função de investigador de polícia e o obrigando a acionar as autoridades policiais, sem levar em conta a vontade da vítima”, explica a jurista.

Pela portaria 2282, o médico também será obrigado a fazer um ultrassom para visualizar o tamanho do feto e confrontar com a data em que a vítima relatou ter sido violentada. “Há um constrangimento duplo, tanto para a vítima, quanto para o médico, desvirtuando a sua função que é meramente a de proteger a saúde de sua paciente”, completa Jacqueline.

A lei atual determina que a mulher que for vítima de um estupro e engravidou tem o direito de interromper a gestação. Ela precisa apenas procurar um hospital do Sistema Único de Saúde (SUS), relatar o crime, solicitar o procedimento e ao médico cabe encaminhar para as unidades que realizam o aborto. Se a mulher optar por procurar um médico particular, ela tem que escrever uma declaração de próprio punho, sem a obrigatoriedade de denunciar o crime. “A lei foi construída para simplificar o processo e minimizar o sofrimento da vítima. Ela tem o caráter de protegê-la, sem obrigar que procure a polícia. Muitas mulheres interrompem a gravidez provocada por um estupro sem denunciar o crime”, diz.

A jurista argumenta que, antes de tentar punir o estuprador, é preciso resguardar a mulher e sua dignidade. “Eu tenho que respeitar a vontade da vítima, que está fragilizada, traumatizada e não quer reviver a violência. Mesmo sendo um crime de ação penal pública incondicionada, ou seja, que não depende da vontade da vítima para o Estado agir, é preciso respeitar a vontade dela. E isso acontece com qualquer outro crime. Se a pessoa for roubada, ela não é obrigada a ir à delegacia para relatar o crime. Por que isso deveria ocorrer com o crime de estupro, que é muito mais traumático para a mulher?”, questiona.

A criminalista reforça que a necessidade de cassar e punir os estupradores não pode se sobrepor ao bem-estar da vítima. “Não podemos violentar ainda mais a mulher em nome da Justiça. Além de desumana, a portaria 2282 fere os princípios constitucionais da dignidade e da intimidade. O que se espera da publicação de uma portaria é que ela seja redigida sob a ótica do respeito aos princípios estabelecidos na nossa Constituição e não foi isso que aconteceu neste caso”, finaliza Jacqueline.

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Portaria sobre estupro viola direito constitucional à dignidade e intimidade

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