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Como casos de embriaguez ao volante são enquadrados na lei?

A embriaguez ao volante é uma das principais causas para acidentes fatais nas estradas. Confira!

 

Contextualizando

As mortes no trânsito cresceram 3,2% no país em 2014, segundo dados do Retrato da Segurança Viária divulgados no início de dezembro. O número de feridos, por sua vez, também subiu: foi 5,9% a mais que em 2013.

A pesquisa – normalmente divulgada dois anos depois do fim da amostragem e obtida com exclusividade pelo jornal Folha de S. Paulo – reúne informações de diversos institutos de pesquisa, que procuram quantificar os acidentes de carro e explicar as razões por trás deles.

Olhando os resultados, é fato que medidas que contenham o avanço desses números, apesar de já estarem sendo tomadas, não estão surtindo os efeitos esperados sobre as mortes provocadas por acidentes de trânsito. E um dos motivos apontados por especialistas para esse aumento está na resistência dos motoristas brasileiros em acatar as mudanças na legislação, que impôs, entre outras medidas, tolerância zero para o consumo de bebidas alcoólicas antes de pegar no volante.

 

Embriaguez ao volante

Prova disso está no levantamento feito pela Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), que mostrou que a embriaguez ao volante é mais comum do que se noticia por aí. Segundo a instituição apurou, 54% das pessoas ainda bebem antes de dirigir, mesmo com a Lei Seca e as campanhas educativas na mídia. O resultado direto disso é que muitos acabam sendo vítimas da negligência de outros motoristas no trânsito.

A partir disto, fica a dúvida: que pena aplicar para motoristas que, mesmo cientes de que não podem dirigir depois de beber, acabaram pegando no volante e provocando um acidente?

Casos de embriaguez ao volante, na realidade, são exemplos clássicos da aplicação de dois termos do Direito: dolo eventual e culpa consciente. Na prática, eles têm definições muito semelhantes, mas há diferenças-chave entre ambos.

 

Dolo direto versus Dolo indireto

Antes, porém, é importante entender as diferenças entre os dois tipos existentes de dolo: dolo direto e dolo indireto. O primeiro é quando há a intenção de cometer um crime, já o segundo é quando não há a intenção.

Segundo Jacqueline do Prado Valles, advogada criminalista e sócia do escritório Valles & Valles, há casos que só podem ser enquadrados em dolo direito, como os crimes contra o patrimônio individual (furto e roubo). “É preciso haver a intenção para que uma pessoa furte ou roube algo de alguém”, explica. “Há outros casos, porém, que podem acontecer mesmo sem a intenção do agente, a exemplo de atropelamentos”.

Estes, mesmo sem a intenção por trás da ação, podem ser enquadrados em crimes previstos pelo Código Penal. Existem três elementos que podem compor a culpa: negligência (quando houve omissão de cuidado); imperícia (quando uma pessoa considerada perita em algo, como médicos cirurgiões, age sem a perícia e o conhecimento que tem) e, por fim, a imprudência (que acontece quando o agente gera o perigo, como dirigir acima da velocidade permitida).

 

Dolo eventual versus Culpa consciente

No dolo eventual, o agente é capaz de prever o que pode acontecer, mas não se importa com os possíveis resultados de suas ações. Em outras palavras, utilizando o exemplo do motorista, é como se ele dissesse: “eu bebi e vou dirigir. Eu sei que não deveria fazer isso, porque eu posso acabar machucando ou matando alguém, mas não importa, isso é problema de quem está nas ruas”.

Já na culpa consciente, o motorista em questão também prevê o que pode acontecer, mas ele acredita que não há a menor possibilidade de que algo errado ocorra. Ele diria algo semelhante a “eu bebi e vou dirigir. Eu sei que não deveria fazer isso, porque posso acabar machucando ou matando alguém, mas tenho certeza absoluta de que, apesar de ser possível, nada ocorrerá, pois vou dirigir com o cuidado necessário para a minha situação psíquica”.

Segundo Jacqueline, a pessoa cujos atos se encaixam na culpa consciente costuma pensar que, com ela, nada pode acontecer. “Outro exemplo disso é o pai que coloca a família no carro com os pneus gastos para ir viajar”, explica. “Ele está sendo negligente, ou, como costumamos chamar, ‘omisso ao cuidado’. Ele sabe que não deve pegar estrada com o pneu do jeito que está, mas acredita cegamente que nada vai acontecer”.

A distinção entre os dois termos é, de fato, bastante sutil, mas faz toda a diferença em um processo penal de atropelamento seguido de morte provocado por embriaguez ao volante, por exemplo. Como fazer para distinguir se casos como esse são de dolo eventual ou de culpa consciente? “Nós geralmente fazemos o interrogatório com a pessoa que cometeu o ato, recolhemos os depoimento de pessoas conhecidas e também de outras provas aceitas pela lei. A avaliação não é feita com base apenas no resultado ocorrido”, explica Jacqueline.

É muito difícil um caso de atropelamento ir parar nos Tribunais do Júri, que é o Tribunal competente para julgar crimes dolosos contra a vida. Isso porque a identificação da vontade direta de praticar o delito – o dolo do motorista – deve estar comprovada de forma contundente pelo Ministério Público, que é quem faz a denúncia.

Esses crimes cometidos em direção automobilística são considerado culposos, ou seja, o agente não teve a intenção de praticar o resultado ocorrido. Além disso, são considerados afiançáveis por determinação legal, permitindo, assim, que o acusado responda ao processo em liberdade. Ao final, caso seja condenado, a sua pena não será necessariamente de prisão, porque casos como esses são considerados de média potencialidade ofensiva. De acordo com o artigo 302 da Lei de Trânsito nº 9.503, de 1997, as penas previstas para delitos desta natureza podem variar de dois a quatro anos de detenção, suspensão da carteira de habilitação até a proibição de dirigir novamente.