Tecnologia impõe novos desafios à cadeira de custódia das provas digitais

Na era da deepfake, em que a evolução da inteligência artificial permite criar vídeos e áudios falsos, a Justiça brasileira enfrenta um desafio gigante: a análise de provas digitais.

A cadeia de custódia é um conceito fundamental no Direito Processual Penal e está intimamente ligada aos princípios do contraditório, do devido processo legal e da ampla defesa, previstos no artigo 5º da Constituição Federal. O instrumento foi criado para garantir ao acusado o acesso a toda informação relacionada à prova apresentada, podendo contestá-la, apresentar contraprovas e questionar os métodos empregados na análise do elemento probatório.

Em 2019, o Pacote Anticrime introduziu uma série de medidas para garantir a integridade das provas desde a sua coleta até a sua apresentação em juízo. Conforme o artigo 158-A do Código de Processo Penal, a cadeia de custódia envolve a identificação de todos os itens de prova, detalhando como foram coletados, transportados e armazenados. Este processo é essencial para assegurar que as provas não sejam adulteradas e que sua autenticidade seja mantida.

A falta de cumprimento adequado dessa cadeia compromete a integridade das provas e, consequentemente, a justiça dos processos penais. Isso é especialmente grave na análise de provas digitais. Diferentemente de provas físicas, como uma faca com vestígios de sangue, as provas digitais podem ser facilmente manipuladas. Mensagens de e-mail, conversas de WhatsApp, áudios e outros dados digitais são editados e frequentemente transferidos entre dispositivos sem o devido cuidado com a preservação da integridade da prova. A prática comum de tirar prints de telas e repassar mensagens compromete a validade dessas provas, pois não há garantia de que não foram alteradas.

Para deixar essa situação ainda pior, essas provas raramente passam por perícias para atestar sua veracidade. Um dos maiores obstáculos para a correta análise de provas digitais é a baixa quantidade de peritos criminais oficiais.

Analógico X Digital

Enquanto os criminosos já estão na era da inteligência artificial que faz atores de Hollywood falar português sem conhecer o idioma, a formação dos operadores do direito, incluindo juízes, promotores e advogados, ainda é predominantemente voltada para a era do papel. Não há uma formação educacional adequada para lidar com as complexidades das provas digitais. Isso resulta em uma lacuna significativa no sistema Judiciário, que não está preparado para enfrentar as nuances das evidências digitais.

A falta de cumprimento da cadeia de custódia e a insuficiência de peritos criminais têm consequências graves para a justiça. Provas digitais mal preservadas podem levar à condenação de inocentes ou à absolvição de culpados. Além disso, a desigualdade socioeconômica é exacerbada, pois réus mais afortunados podem contratar peritos particulares e gastar fortunas na confecção de laudos para contestar provas, enquanto réus pobres não têm acesso a esses recursos. Isso cria um desequilíbrio no sistema judicial, onde a capacidade de defesa é diretamente influenciada pela condição financeira do réu.

Para que o processo penal tenha credibilidade, é fundamental que o Estado invista na formação e contratação de peritos digitais. Esses profissionais são essenciais para garantir que as provas digitais sejam coletadas, preservadas e analisadas de acordo com os requisitos legais. Sem esse investimento, o sistema judicial continuará a falhar na sua missão de proporcionar Justiça.

*Jacqueline Valles é mestre em Direito Penal, professora de Direito Penal, membro da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim) e possui mais de 30 anos de experiência no Tribunal do Júri

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