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Como a justiça brasileira lida com os casos de feminicídio?

Por Jacqueline do Prado Valles*

As últimas semanas foram muito marcadas pela discussão sobre o feminicídio e, principalmente, sobre como a justiça estaria lidando com os crescentes casos de crime contra mulheres no país. Apesar de não ser uma novidade do ponto de vista legal, o tema voltou a ganhar espaço na mídia e na sociedade, especialmente após a divulgação de casos como da namorada de um jovem em Sorocaba que foi morta por ele após várias facadas, pelo simples fato do mesmo não aceitar o término do namoro. Ou ainda o caso da advogada Tatiane Spitzner, supostamente empurrada da sacada do apartamento em que morava por seu companheiro.

No Brasil, o número de casos impressiona: doze mulheres são assassinadas, em média, por dia. Os números são de um levantamento realizado pelo portal G1, que considerou dados oficiais em 2017. O aumento foi de 6,5% em relação a 2016.

Curiosamente, a Lei Maria da Penha (nº 11.340/2006), que defende a mulher contra violência doméstica e familiar, acaba de completar 12 anos e acende mais um alerta para a importância de sua existência e aplicação para garantir a segurança do sexo feminino.

Como a justiça lida com o feminicídio?

A lei brasileira há tempos pune o crime de homicídio , impondo às pessoas que matam diferentes tipos de pena. O ato de matar alguém sempre foi considerado um crime comum na sociedade e praticado por diversos pretextos, uns horrendos outros legítimos, como legítima defesa da vida de outrem. Diante dessa variação de motivos, o legislador determinou penas diferenciadas com mais ou menos rigor.

Não podemos confundir o feminicídio, que significa matar mulher, com o feminicídio que envolve outras razões para essa categoria de crime.

A lei de número 13.104/2015 conceituou o feminicídio mas, para que ocorra  essa categoria de crime, há necessidade que o acusado pratique:

– O homicídio quando contra mulher por razões da condição de ser do sexo  feminino, ou seja, o motivo para matá-la e o desprezo pelo sexo feminino ou

– Quando envolve violência doméstica e familiar e o acusado aja com  menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

O feminicídio também pode ser praticado por mulher, desde que a vítima seja  mulher e o homicídio seja em razão dos itens acima.

A lei que conceituou esse tipo de crime não trouxe na prática nenhuma novidade perante os julgamentos ocorridos antes da sua vigência, pois todos os acusados que matam em razão de desprezar a mulher ou discriminá-la  no lar já eram considerados crimes bárbaros e por motivação fútil, bem antes dessa nova lei. A pena aplicada no artigo 121 § 2º, II do Código Penal, ou seja, homicídio por razões desprezíveis, já era igual do feminicídio, ou seja, pena de 12 a 30 anos previsto.

Os criminosos que matam com a motivação fútil são tratados como crimes hediondos e as progressões (ou seja, passar do regime fechado para o semiaberto) ocorrem após o condenado ter cumprido mais de 2/5 ou 3/5 da pena, se  reincidente. O condenado por crime hediondo terá que passar muito mais tempo no regime fechado do que outros homicidas que cometem o crime de matar alguém por outro motivo que não seja hediondo. Por exemplo: um pai que mata o estuprador de sua filha.

A importância da Lei Maria da Penha

Antes da Lei Maria da Penha, a violência doméstica em termos gerais, e não somente nos crimes de homicídios, mas que haja a violência psíquica ou física contra a mulher, não tinha amparo judicial. Essa lei, sim, foi fundamental para apoiar a mulher, que antes não tinha apoio em casos de violência doméstica. A lei se torna ainda mais eficaz quando, além do apoio criminal, oferece o acompanhamento de psiquiatra e psicólogo tanto para o agressor quanto para a vítima. Agressão também é uma questão cultural e comportamental, sendo necessário o apoio de profissionais preparados para assegurar um ambiente melhor e mais seguro para as mulheres no futuro

Recentemente foi aprovada a proposta de lei PL 7118/10 que defende o aumento da pena para o homem que vier a assassinar a mulher sob proteção da Lei Maria da Penha. É uma iniciativa extremamente válida.

*Artigo escrito por Jacqueline do Prado Valles, advogada criminalista com mais de 20 anos de carreira e sócio-proprietária do escritório Valles&Valles – Sociedade de Advogados

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O peso da fake news no Brasil e por que devemos impedir o crescimento de notícias falsas

Por Jacqueline do Prado Valles* 

Você já recebeu ou ouviu o áudio de uma suposta médica pedindo para que a população não tome a vacina contra a febre amarela? Ou então um alerta dizendo que, quem perdesse o prazo do cadastramento da biometria, receberia uma multa de R$ 150,00? Se a resposta for sim para uma dessas perguntas, então você já foi impactado por uma fake news. Provavelmente você já deve conhecer o termo, afinal, ele foi escolhido a palavra do ano em 2017 pelo dicionário da editora Collins, mas por que ele tem se tornado tão famoso e como a fake news no Brasil pode influenciar as eleições presidenciais deste ano? 

Bem, responder essa pergunta não é algo tão difícil, basta relembrarmos alguns casos onde as fake news estiveram presentes e influenciaram um panorama/resultado. As últimas eleições presidenciais dos EUA, em que o candidato Donald Trump foi eleito, pode ser um exemplo de evento recente em que o uso de notícias falsas influenciou o resultado. Trump é acusado de ter utilizado, em sua campanha, centenas de sites e páginas na internet nos quais infamavam a imagem de sua oponente, Hilary Clinton, ao mesmo tempo em que enalteciam suas falas.  

Mas além de páginas na internet, as fakes news da campanha de Trump estavam presentes em seus discursos. Segundo a editora do site de checagem Politifact Angie Holan, apenas 4% das 474 falas do candidato foram categorizadas como verdade. E como de fato essas notícias podem influenciar uma eleição? Ora, se o principal para uma tomada de decisão é a informação, logo uma informação influencia totalmente uma decisão. 

E se você acha que as fake news no Brasil não podem influenciar as próximas eleições, saiba o que Cristina Tardáguila, diretora da Lupa, agência de checagem de notícias, disse ao Estadão: 

“Já existe notícia falsa hoje em dia em um cenário fora da campanha eleitoral. A probabilidade é 1.000% de notícias falsas permeando as campanhas de presidente e de governadores. Aconteceu com nossos vizinhos, na Argentina e Colômbia.” 

Legislação sobre fake news no Brasil 

Hoje não existe uma lei que pune a criação e disseminação de fake news no Brasil; a norma existente que penaliza a falsa notícia que ofende um candidato, partido ou coligação é a Lei 12891/13, em seu artigo 57, letra H:  

  • 1º – Constitui crime a contratação direta ou indireta de grupo de pessoas com a finalidade específica de emitir mensagens ou comentários na internet para ofender a honra ou denegrir a imagem de candidato, partido ou coligação, punível com detenção de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).
  • 2º – Igualmente incorrem em crime, punível com detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, com alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais), as pessoas contratadas na forma do § 1º(NR) 

Além disso, está em tramitação o Projeto de Lei do Senado n° 473 de 2017, de autoria do senador Ciro Nogueira (PP/PI), que tipifica o crime de divulgação de notícia falsa: 

Imputa detenção, de seis meses a dois anos, e multa, para quem divulga notícia que sabe ser falsa e que possa distorcer, alterar ou corromper a verdade sobre informações relacionadas à saúde, à segurança pública, à economia nacional, ao processo eleitoral ou que afetem interesse público relevante. 

Apenas e só para reforçar, como você deve ter percebido, esse projeto se restringe a caracterizar/punir apenas falsas informações que são de âmbito macro/interesse público, uma vez que já existe a proteção para âmbito individual de pessoas ofendidas, que são os artigos 138139 e 140 do Código Penal. 

Por que combater o avanço das fakes news no Brasil 

Apesar de ter citado um fato político de fake news, as notícias falsas atingem toda a sociedade. Exemplo disso é a diminuição de no número de vacinações no Brasil e a onda de linchamentos e mortes na Índia. Fatos como esses evidenciam como a disseminação de notícias falsas pode ser prejudicial para a sociedade num geral. 

Nesse sentido, fica evidente a importância do Projeto de Lei n° 473/2017, mas eu gostaria de levantar duas questões:  

  1. Quem apuraria essas notícias? Seria o governo ou seria criado um departamento independente de posições políticas? 
  1. Não apenas a parcela privada da população, mas autoridades e agentes públicos também devem ser imputados no projeto para serem investigados e apurados sobre possíveis disseminações de inverdades 

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Afinal, o que é o crime de locaute citado durante a greve dos caminhoneiros?

Como você deve ter acompanhado, recentemente caminhoneiros bloquearam diversas rodovias contra o alto preço dos combustíveis, cobrança de pedágio sobre o eixo suspenso dos caminhões e diversas outras taxas feitas para a categoria. O protesto não só paralisou o país e prejudicou diversos setores da economia, como também dividiu a sociedade entre aqueles que eram a favor e os que eram contra a paralização.  Durante a manifestação, o ministro da Segurança Pública, Raul Julgmann, disse haver indícios de locaute na greve dos caminhoneiros.

Tal afirmação do ministro gerou grande interesse e até curiosidade por parte da população sobre o significado e objetivo do crime de locaute, que não era de grande conhecimento da sociedade num geral. Mas afinal, o que é e do que se trata o delito?

A legislação do locaute

Locaute é um termo originado do termo inglês lock out, que significa fechar/trancar. É exatamente disso que se trata o delito. Em linhas gerais, locaute é a cessão, por parte da entidade patronal, dos instrumentos de trabalho necessários para a atividade da classe trabalhadora. Ou seja, é quando donos de empresas agem em favor de seus próprios interesses e se recusam a ceder os instrumentos de trabalho para que seus colaboradores desenvolvam suas atividades profissionais.

É importante ressaltar que não existe uma definição clara sobre o que é o crime de locaute no código penal brasileiro. O que existe é a proibição de tal ação no artigo 17 da lei nº 7.783/89

Art. 17. Fica vedada a paralisação das atividades, por iniciativa do empregador, com o objetivo de frustrar negociação ou dificultar o atendimento de reivindicações dos respectivos empregados (lockout).

Parágrafo único. A prática referida no caput assegura aos trabalhadores o direito à percepção dos salários durante o período de paralisação.

E a proibição da paralisação de trabalho, seguida de violência ou perturbação da ordem, presente no artigo 200 do Código Penal.

Art. 200 – Participar de suspensão ou abandono coletivo de trabalho, praticando violência contra pessoa ou contra coisa:

Pena – detenção, de um mês a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.

Parágrafo único – Para que se considere coletivo o abandono de trabalho é indispensável o concurso de, pelo menos, três empregados.

Surgimento do locaute durante greve dos caminhoneiros

Em pronunciamento feito na noite da quinta-feira (24), o ministro Raul Jungmann disse que existe indícios de uma “aliança” feita entre caminhoneiros autônomos e empresas de transporte para a diminuição do preço do diesel.

Além disso, outro fator que corroborou para tal suspeita foi a não autorização, por parte das entidades patronais, da saída de caminhoneiros com carga mesmo após a chegada das forças de segurança para escolta dos caminhões.

O argumento utilizado pelos empregadores era, até o momento, o não acordo entre a categoria e o governo. Entretanto, com tal atitude, a entidade patronal agiu em favor a ela própria, impedindo a ordem do trabalho, a ordem social e a liberdade do trabalhador.

Pena e riscos de uma acusação de locaute

A não definição clara do crime de locaute é um dos principais fatores pelos quais ainda há um desconhecimento geral sobre eventuais condenações da prática desse ato. Dessa forma, caso o Poder Judiciário entenda que o empregador esteja envolvido em práticas ilícitas para impedir as atividades do empregado, a única punição cabível, atualmente, para tal ação é a do artigo 200 do Código Penal: “detenção, de um mês a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência”. Com uma pena tão baixa como essa, dificilmente um empregador será detido por locaute.

 

*Artigo escrito por Jacqueline do Prado Valles, advogada criminalista com mais de 20 anos de carreira e sócia-proprietária do escritório Valles&Valles – Sociedade de Advogados

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Por que a liberação do uso recreativo de entorpecentes não cabe ao Brasil

Após cerca de 40 anos de “guerra às drogas”, alguns estados americanos passaram a adotar o modelo europeu, ao tratar o uso da maconha como uma questão medicinal e não meramente de segurança pública. Na América do Sul, o Uruguai foi o primeiro país onde a cannabis foi legalizada da produção ao consumo. Exemplos como esses suscitam o debate acerca da liberação do uso recreativo de entorpecentes no Brasil, mas a pergunta que fica é:

Será que a liberação das drogas é a melhor alternativa para a diminuição do uso das mesmas no Brasil?

O debate é extenso, profundo e meticuloso, mas totalmente necessário, visto a desmoralização das instituições democráticas, devido à sua incapacidade de lidar com o crime organizado – conforme dito pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso – e o alto custo (não só financeiro) que a guerra contra as drogas tem gerado a diversos estados brasileiros.

A legislação de permissão e penalização de entorpecentes no Brasil

Em outubro de 1976, foi promulgada a lei nº 6.368, que determinava “medidas de prevenção e repressão ao tráfico ilícito e uso indevido de substâncias entorpecentes ou que determinem dependência física ou psíquica”. Essa norma guardava uma grande falha: a não distinção entre o usuário e o traficante de drogas. Ou seja, se uma pessoa fosse flagrada com qualquer quantidade de entorpecente, podia ser enquadrada como traficante.

30 anos depois, em agosto de 2006, foi promulgada a lei nº 11.343 que institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD), medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelecimento de normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico de drogas, além da definição de crimes e outras providências.

Ou seja, se analisarmos o conteúdo e a estruturação da lei de 2006, percebemos que o Estado brasileiro passa não só a diferenciar usuário de traficante, mas também começa a penalizá-lo com punições menores, compatíveis ao seu grau de risco para sociedade. As drogas também passam a ser tratadas como uma questão de saúde pública.

Os argumentos a favor da liberação de entorpecentes

Diversos são os argumentos prós e contras a legalização do uso recreativo de drogas, mas vamos analisar alguns dos mais comuns a favor da liberação:

  • Legalizar faria com que a fabricação dessas substâncias se encontre dentro do alcance das regulações do mercado legal” – Ora, mas isso acabaria com os efeitos colaterais que os entorpecentes causam no corpo humano? Acredito que as implicações continuam sendo prejudiciais à saúde do usuário.

 

  • Os governos deixariam de desperdiçar bilhões de dólares no combate as drogas, recursos que seriam destinados a combater os verdadeiros criminosos” – Entretanto, o problema principal, que são os danos que o uso de entorpecentes causam ao ser humano, continuaria existindo e, ao mesmo tempo em que se economiza com o combate, gasta-se mais com o sistema de saúde pública.
  • A legalização colocaria fim em parte do negócio do narcotráfico” – Mas, ao mesmo tempo, abriria espaço para o surgimento de um mercado paralelo.

Mas, para além desses argumentos, existe uma questão que não podemos nos esquecer e que, independente de ser contra ou a favor da liberação, é indiscutível sua importância em toda a cadeia de tráfico e uso: o interesse.

Sabemos que grande parte dos entorpecentes consumidos no Brasil vem de fora, ou seja, passa por nossas fronteiras. E é lógico que, se houvesse uma guarda ostensiva de militares nas divisas com outros países, a quantidade de droga que entraria em nosso país seria muito menor. Com isso, inevitavelmente surge o questionamento: quem são os verdadeiros interessados pela entrada de entorpecentes no país?

Legalizar não é a forma mais eficiente de combate

É evidente que o uso de drogas é algo a ser humanizado. Até porque muitos usuários reconhecem sua dependência e os danos que o uso de substâncias psicotrópicas causa em suas vidas. Mas não concordo que, liberando o uso recreativo de entorpecentes, os índices de uso e de problemas gerados por eles diminuam.

Entendo que a “guerra às drogas” se tornou uma medida obsoleta e ineficaz, ao mesmo tempo em que reconheço a importância das políticas de redução de danos. Entretanto, liberar o uso de entorpecentes só vai agravar ainda mais nosso atual quadro. Afinal, é evidente que a legalização aumentará o numero de usuários e, consequentemente, de dependentes químicos.

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A ida de travestis para prisão feminina e as falhas dessa decisão

Você deve ter acompanhado que, na última segunda-feira (19), o ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, determinou a transferência de dois travestis para prisão feminina. Ambos estão presos desde 2016 na Penitenciária de Presidente Prudente, no interior de São Paulo.

Caso você não esteja muito por dentro do assunto, eu explico. Mas antes eu gostaria de deixar uma questão clara para melhor entendimento do artigo:

  • Quando eu digo o travesti, com o pronome no masculino, me refiro ao indivíduo do sexo masculino que se traveste de mulher
  • Quando o pronome é utilizado no feminino, “a travesti”, me refiro ao indivíduo do sexo feminino que se traveste de homem

Retomando. O caso aconteceu da seguinte maneira: a defesa de um deles, condenado a seis anos de prisão por extorsão mediante restrição de liberdade da vítima, solicitou que seu cliente respondesse o processo em liberdade, ou em regime mais leve para cumprimento da pena. Em caso de negação dos pedidos, os advogados solicitaram a transferência para local adequado a sua identidade de gênero. O argumento utilizado para tal, era de que seu cliente estaria dividindo o mesmo espaço com 31 homens, “sofrendo todo o tipo de influências psicológicas e corporais”.

Barroso negou o pedido de liberdade, mas atendeu ao de transferência, tanto para esse como para outro travesti condenado no mesmo processo. Na decisão, o ministro citou a resolução do Conselho Nacional de Combate à Discriminação que estabelece, entre outras coisas, que a pessoa seja chamada pelo seu nome social, contar com espaços de vivência específicos, usar roupas femininas ou masculinas, e manter os cabelos compridos e demais características, de acordo com sua identidade de gênero.

Mas é inegável que a decisão abre precedentes sérios em casos de encarceramento de travestis homens e mulheres. A presença de um travesti em uma cadeia feminina pode gerar um incômodo nas detentas, da mesma forma que a ida de uma travesti para um presídio masculino pode comprometer sua segurança e gerar sérios riscos a ela.

Como funcionam as prisões hoje em dia

Quando um (ou uma) travesti é preso, ele é levado para uma penitenciária que esteja de acordo com seu sexo biológico. A diferença é que é necessário respeita-lo conforme seu bem-estar social, ou seja, cumprindo as normas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Combate à Discriminação, já citadas anteriormente.

Além disso, eu gostaria de ressaltar uma boa prática existente dentro do sistema penitenciário, que é a do Diretor do II CDP de Pinheiros, Guilherme Rodrigues. Há dois anos, Guilherme estabeleceu um tratamento diferenciado aos travestis, além do que já é estabelecido em lei. Dentro do CDP, já existe uma ala com celas destinada apenas para eles (é importante ressaltar que essa cela não é um seguro malquisto) e a revista é feita com maior detalhamento no que se refere aos seus direitos.

O argumento de que o réu estaria dividindo o mesmo espaço com 31 homens, sofrendo todo o tipo de influências psicológicas e corporais, gerou muitos comentários e questionamentos como “já que esse tipo de coisa acontece, por que travestis presos não são levados diretamente para uma prisão feminina?”

A resposta é simples: segurança. Mas é o problema também. Ora, se uma detenta deve ser revistada por uma mulher, quem faria a revista de um travesti, uma vez que, independente de sua identidade de gênero, ele continua sendo mais forte fisicamente que uma mulher?

Travesti em cadeia feminina

É obvio que essa decisão pode abrir precedente para o mesmo desfecho em casos similares. Eu entendo perfeitamente e, de certa forma, concordo com a decisão de ministro Barroso. Até acho que seu desdobramento utilizado não foi ruim. A questão, em minha opinião, é que, antes de tal medida, para evitar contrapontos e questionamentos como o levantado no parágrafo acima, deveria ter sido feita uma consulta com diretores do sistema penitenciário nacional para saber qual o melhor procedimento a ser seguido em casos como esse.

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Saiba por que o habeas corpus coletivo para mulheres é necessário

Por Jacqueline Prado Valles*

Recentemente, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal aprovou o pedido de habeas corpus (HC 143641), feito pelo Coletivo de Advogados em Direitos Humanos (Cadhu), que pedia a substituição da prisão preventiva pela domiciliar para alguns casos de encarceramento de mulheres. De acordo com a decisão, o instrumento cabe apenas para grávidas, mães de crianças de até 12 anos ou de filhos que possuem algum tipo de deficiência. E como já era esperado, a decisão gerou e recebeu diversos comentários, desde críticas dizendo que o parecer contribuiria com o tráfico de drogas, até elogios sobre como isso ajudaria tanto mãe e criança, quanto o sistema prisional feminino. 

Mas, aproveitando o debate, eu gostaria de levantar o questionamento: diante de todos os problemas do sistema prisional do país e do drama enfrentado pelas mães que têm que permanecer com seu filho na prisão, será que o crime seria realmente o maior beneficiado? 

Como funcionava antes do habeas corpus? 

Apesar da decisão do STF, a possibilidade de cumprir a prisão preventiva em domicílio já existia desde a década de 1980. Acontece que, a lei que permite tal benefício, era aplicada apenas para os chamados casos humanitários. Não existe uma definição correta sobre o que é ou não é um caso humanitário, portanto sua interpretação fica à critério do juiz de direito. Mas dois exemplos do que pode ser entendido como caso humanitário é o da pessoa que contraiu alguma doença sem cura, como Aids, e precisa tomar um coquetel de remédios indisponíveis nas prisões, ou um idoso que não tem condições de cumprir sua sentença em uma prisão. 

Além disso, desde 2011, com a Lei nº 12.403, presas grávidas e mães podiam cumprir a prisão preventiva em domicílio. E esse tipo de decisão já existia, o empecilho maior era apenas o mesmo argumento que continua sendo usado após a aprovação do habeas corpus pelo STF: “não é porque ela está grávida, ou já é mãe, que pode ter esse benefício”. 

É importante lembrar que o debate sobre a prisão domiciliar para mulheres ganhou corpo quando o ministro Gilmar Mendes concedeu o benefício para Adriana Ancelmo, mulher do ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, que foi acusada a 18 anos de prisão por associação criminosa e lavagem de dinheiro. No caso de Adriana, o benefício se aplica porque seu filho mais novo tem 11 anos de idade.  

Mas, ao contrário do que se imagina, essa não é uma decisão com distinção de classes sociais. Eu mesma já peguei, e presenciei, muitos casos em que mulheres mais pobres tiveram o benefício. 

O que muda com a aprovação do habeas corpus coletivo 

Deve ficar claro que o habeas corpus coletivo foi concedido pensando muito mais na criança do que própria e unicamente na mãe. Tanto que, para obtenção do benefício, além de se encaixar nas regras já mencionadas, a mulher não pode ser indiciada por: 

  • Violência ou grave ameaça 
  • Crimes cometidos contra seus descendentes 
  • Casos excepcionalíssimos (que ficam a critério do juiz) 

Existe um, digamos, “drama carcerário social” muito grande em nosso país: o das mulheres que dão à luz nas prisões e/ou são obrigadas a deixar seus filhos logo nos primeiros anos de vida dele. E o maior prejudicado nisso tudo é a criança que, ou permanece em um ambiente insalubre logo em seus primeiros meses de vida, ou tem que ficar longe da mãe.  

Portanto, volto a repetir: o habeas corpus coletivo foi concedido pensando muito mais na criança do que na pura liberdade da mãe. 

Eu sou a favor da decisão, mas também acho que o tema não precisava chegar ao STF para ser levado em consideração. Para isso, bastava que os juízes de primeira instância cumprissem a lei e evitassem todo o desgaste social e familiar resultado da prisão de uma mulher grávida ou mãe de criança.

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A redução da maioridade penal é a melhor solução para combater a criminalidade entre jovens?

Por Jacqueline Prado Valles*

 

A redução da maioridade penal é um dos assuntos mais polêmicos de nossa sociedade. Um verdadeiro Fla x Flu: de um lado, a parcela que acredita que jovem não é criança e, portanto, deve responder pelos seus atos; do outro, o setor que diz que prender não é a melhor solução, e que o Estado deve dar o suporte necessário para a restruturação e reinserção do jovem na sociedade. Ambos defendem ferrenhamente seus pontos de vista e, para isso, usam diversos argumentos para sustentar suas opiniões. Alguns dos utilizados pelos que defendem a redução da maioridade penal, são:

  • Jovens de 16 e 17 anos já têm discernimento para responder pelos seus atos
  • Jovens cometem mais crimes sabendo que não vão para a prisão
  • As medidas do ECA são insuficientes
  • Muitos países desenvolvidos têm a maioridade penal abaixo dos 18 anos de idade

Já o grupo contra a redução da maioridade penal coloca que:

  • Educação é mais eficiente do que a punição
  • Nosso modelo prisional é ineficaz e punitivo, não reformador
  • Prender menores agrava ainda mais a crise no sistema prisional
  • A redução afetaria mais jovens socialmente vulneráveis

O assunto é sério e eu queria trazer algumas questões para o debate: prender o jovem é a melhor solução para diminuir o número de delitos cometido por menores de idade? Se sim, como tal medida seria possível em um sistema carcerário que está em colapso, como o nosso? Se não, é correto não penalizar um jovem que cometeu um crime hediondo, por exemplo?

Redução da maioridade penal: prender não é a melhor solução

Na verdade, talvez essa seja uma das maiores negligências que podemos cometer contra a nossa sociedade. Reduzir a maioridade penal para 16 anos (ou 14, como alguns querem) não só não resolverá o problema da criminalidade durante a juventude, como levará nosso sistema prisional à falência total! Mais do que isso: prender o jovem é entregá-lo para o crime organizado!

Nosso sistema carcerário é punitivo e não reformador. A melhor maneira de diminuir o índice de criminalidade é reeducando o jovem e dando a estrutura necessária para convívio em sociedade. Entretanto, concordo que um jovem que mata um pai de família, por exemplo, sabe muito bem o que está fazendo, e deve responder por isso.

O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), que tem como objetivo principal proteger integralmente todos os menores de 18 anos, inclui algumas medidas socioprotetivas. Exemplo disso é a verificação da vida social de um infrator menor de idade: se ele estuda, se tem uma moradia, se faz parte de algum programa de auxílio do governo etc. Também conta com medidas socioeducativas, que seriam formas de reprimir um ato criminoso. São elas:

  • Advertência: aviso verbal, e posteriormente assinado, com o propósito de alertar o adolescente e seus responsáveis para os riscos do envolvimento com o ato infracional
  • Obrigação de reparar o dano: ressarcimento do dano ou alguma outra forma que compense o prejuízo da vítima causado pelo adolescente
  • Prestação de serviços à comunidade: prestação de serviços a entidades assistenciais como hospitais e escolas, por exemplo, por um período máximo de 6 meses
  • Liberdade assistida: na qual o adolescente permanece livre, mas com o dever de se apresentar à justiça, junto de seu responsável, sempre que solicitado pela instituição
  • Regime de semiliberdade: nesse caso, o jovem é obrigado a estudar e/ou trabalhar durante o dia e, de noite, deve recolher-se a uma entidade de atendimento especializada
  • Internação: o jovem fica recluso da sociedade, internado na Fundação CASA, por 3 anos, ou até completar 21 anos de idade

Acontece que essas medidas do ECA, apesar de serem cumpridas, não são suficientes para reeducar e reformar todos os jovens que comentem atos infracionais.

Propostas alternativas

Como deve ter percebido, não sou a favor da prisão de um jovem com idade inferior a 18 anos, mas também não concordo que um adolescente que comete um crime hediondo não seja penalizado de forma correta. Por isso, ao meu ver, uma terceira proposta se sobressai a essas duas. É o projeto chamado Regime Especial de Atendimento, proposto pelo governador de São Paulo Geraldo Alckmin.

A proposta desse projeto é que não se mude a lei, reduzindo a maioridade penal, mas que se altere o ECA. Sendo assim, em vez de ficar até, no máximo, completar 21 anos de idade, o adolescente infrator pode ficar até 8 anos internado, se o ato infracional for equivalente a crimes hediondos.

Vejo essa medida como uma boa alternativa, uma vez que responsabiliza o jovem que comete crimes mais graves e o trata com maior rigor, além de evitar a alteração da Constituição Federal.

 

*Artigo escrito por Jacqueline do Prado Valles, advogada criminalista com mais de 20 anos de carreira e sócio-proprietária do escritório Valles&Valles – Sociedade de Advogados 

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Mudanças na lei 10.826/2003 podem agravar nível de violência no país

Por Jacqueline Prado Valles*

 

Quatorze anos após a sanção do Estatuto do Desarmamento (lei 10.826/2003), o Brasil volta a discutir a necessidade da legalização do porte de armas para civis se defenderem. A novidade é que a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou relatório que sugere a revogação do Estatuto. No meio de todo o debate, diversos dados e pesquisas corroboram para argumentos de ambos os lados. Tanto daqueles que são a favor, como daqueles que são contra a legalização do porte de armas. 

Eu gostaria de levar algumas questões para esse debate: será que a população tem maturidade suficiente para uma decisão dessas? “Entregar” essa responsabilidade de defesa nas mãos da sociedade não é um grande erro. Além disso, não seria um atestado de falência do Estado no que se refere à segurança pública? 

O que diz a lei 10.826/2003 

O Estatuto do Desarmamento proíbe o porte de arma por civis, exceto quando há necessidade comprovada para defesa pessoal. Para tal, o requerente precisa apresentar uma série de documentos à Polícia Federal. Entre eles:  

  • Declaração escritaexpondo os fatos e circunstâncias que justifiquem o pedido de aquisição de arma de fogo, demonstrando efetiva necessidade 
  • Comprovar idoneidade, apresentando certidões negativas criminais fornecidas pela Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral
  • Comprovar que não está respondendo a inquérito policial ou processo criminal (vide exemplo)
  • Comprovação de ocupação profissional lícita
  • Aptidão psicológica, que deverá ser atestada por psicólogo credenciado pela Polícia Federal. Confira a lista de psicólogos credenciadosaqui 
  • Capacidade técnica, que deverá ser atestada por instrutor de tiro credenciado pela Polícia Federal;
  • Entregar o requerimento de autorização para aquisição de arma de fogo preenchido. Disponível aqui. 
  • Pagar taxa de emissão de certificado de registro de arma de fogo (média R$ 60), caso seja deferido o pedido

Mesmo após a sanção da lei 10.826/2003, o índice de mortes causadas por armas de fogo não diminuiu drasticamente como esperava-se. Em 2003, o Brasil tinha cerca de 36,1 assassinatos por 100 mil habitantes. Atualmente, a taxa é de 29,9 mortes por 100.000 habitantes.  

São justamente números como esse que têm corroborado com a pauta de liberação da posse e do porte de armas e com o novo Estatuto de Controle de Armas, que, dentre outras mudanças, propõe: registro permanente da arma de fogo, que o requerente não possua condenação por crime doloso e elimina a comprovação da necessidade efetiva para o porte. 

Argumentos contra e a favor da liberação 

Diversos são os argumentos, dados e estudos contra e a favor da liberação do porte de armas de fogo. Abaixo, alguns deles: 

Contra 

  • Ter uma armaé sempre um risco à vida 
  • Com menosarmas, a taxa de homicídios cai 
  • As armas legaisacabam nas mãos erradas 
  • Aumentam as chances de consequências fatais da reação a assaltos
  • Armas dentro de casa aumentam a chance de ferir um familiar por acidenteou conflito doméstico 

A favor 

  • Os índices decriminalidade seguem altos mesmo após a proibição em 2003 
  • O cidadãotem direito de se defender 
  • Com treinamento, evita-se acidentes dentro de casa
  • A criminalidade aumentou,pois o ladrão sabe que estamos desarmados 
  • Mortes portráfico tendem a diminuir 

Arma não defende ninguém 

Ao longo da minha carreira, eu atendi clientes que cometeram algum tipo de delito utilizando armas de fogo. Nesse tempo, uma coisa ficou clara: arma não defende ninguém. Eu não consigo visualizar nenhum benefício para a sociedade caso a posse e o porte de armas sejam liberados. Tudo bem que é necessário comprovar habilidade técnica e preparo psicológico para obter uma arma (que, convenhamos, é o mínimo), mas a realidade é diferente. Mesmo com os requisitos, o cidadão civil nunca terá o preparo e maturidade para usar a arma da forma correta. A probabilidade de um desfecho com vítimas fatais em casos de assalto, por exemplo, é muito grande! 

Também ficou claro que a grande maioria dos incidentes com armas de fogo são causados pela perda do controle psicológico. Durante uma discussão ou briga de bar, aquele que portava uma arma sentiu-se “atacado”, muitas vezes sem nenhum contato físico, e acabou utilizando a arma para se proteger. Tenho convicção de que, com a liberação, voltaremos ao tempo em que a violência em alguns bairros era maior do que as regiões que estavam em guerra. Em 1996, por exemplo, quando a ONU considerou a violência do Jardim Ângela maior do que a guerra da Iugoslávia. 

Por fim, eu não sou a favor das mudanças da lei 10.826/2003. Até porque, a segurança pública é um dever do estado, e não do cidadão civil.

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Como a PEC 181 trouxe à tona a questão da criminalização do aborto?

Por Jacqueline Prado Valles*

 

Há algumas semanas, vimos que uma série de protestos foram realizados por mulheres de todo o Brasil contra a aprovação da PEC 181, que aconteceu no último dia 8 pela comissão especial da Câmara dos Deputados. O principal motivo para os atos é que, com as alterações propostas pela comissão, falou-se muito que o aborto poderia ser proibido de maneira generalizada, apesar da Comissão não ter concluído para esse entendimento, a proposta de alteração se faz mais abrangente afetando todos os métodos anticoncepcionais, pois a proteção à vida seria desde da concepção.

A aprovação do texto com tal mudança tomou grandes proporções por dois motivos principais: primeiro, o aborto por si só é um dos maiores tabus em nossa sociedade. Logo, qualquer alteração na lei que envolva essa questão, terá uma grande repercussão. O outro motivo é que, por incrível que pareça, de nada falava o texto inicial da PEC 181 sobre o aborto. A proposta inicial de emenda, de autoria do senador Aécio Neves, propunha a ampliação da licença maternidade para mães de prematuros, de acordo com o número de dias em que o bebê ficar internado, até o limite total de 240 dias. Assim, o desencontro de informações formou uma grande confusão de opiniões e falsos conceitos.

Tal mudança acabou rendendo à emenda o nome de PEC “Cavalo de Tróia”.

O que diz a lei aos casos de aborto antes da PEC 181

Segundo o código penal , há duas maneiras de realizar o aborto sem ocorrer crime: quando não há outro meio de salvar a vida da gestante, e quando a gravidez foi resultado de um estupro. Há, ainda, uma terceira situação onde o aborto é autorizado perante o STF : nos casos em que o feto apresenta má formação no tubo neural. Nessas três ocasiões, a gestante tem a opção de realizar, ou não, o aborto. Caso decida interromper a vida intrauterina, o Estado oferece a opção de realização do procedimento através do Sistema Único de Saúde.

Aborto: uma questão a ser debatida

Como já dito, o aborto é um dos maiores tabus da nossa sociedade. Até mais do que questões como a legalização das drogas. É exatamente por esse motivo que se faz necessário um debate com todos os setores da sociedade – políticos, religiosos, ateus, médicos, ONGs e etc -, antes de qualquer tomada de decisão. A não participação da sociedade, no meu ponto de vista, é o maior erro cometido pelos parlamentares da comissão especial que aprovaram o novo texto da PEC 181.

Apesar do deputado relator Jorge Tadeu Mudaren afirmar, em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, que a PEC foi discutida durante 6 meses, penso que, no mínimo, deveria ter sido feita uma divulgação maior sobre as audiências públicas de debate, assim como ocorreu em 2012, quando o STF (Supremo Tribunal Federal) convocou toda a população para discutir a autorização do aborto para os casos de anencefalia. Isso vale tanto para as propostas que visam a legalização, como para aquelas que pretendem criminalizar, parcial ou totalmente, a interrupção da gravidez.

Até mesmo porque já existem algumas outras propostas alternativas ante a proibição ou legalização total do aborto, como o desenvolvimento de políticas de redução de danos, aliada as ações de difusão de alternativas ao aborto; informações sobre os métodos utilizados e seus riscos; além da possibilidade de realização de consultas com profissionais de diferentes áreas junto às mulheres. Ou, então, a criação e publicidade de um programa de adoção de recém-nascidos, no qual a gestante que não deseja permanecer com a criança possa ingressar nesse programa de adoção para aqueles que desejam acompanhar e pleitear judicialmente a adoção desde a gestação, evitando assim, a maior parte dos abortos clandestinos que a mulheres acabam cometendo, em razão de não suportarem o nascimento de uma criança não planejada.

A questão principal é que não podemos simplesmente ignorar os dados de saúde pública relacionados os abortos clandestinos e a grande mortalidade dessas mulheres, nem desrespeitar a opinião de grupos conservadores da nossa sociedade. A única e melhor forma de chegarmos a uma conclusão que agrade a todos (ou à maioria) é através de um debate aberto e extremamente esclarecedor para que todos os grupos sociais possam entender e argumentar suas posições.

*Artigo escrito por Jacqueline do Prado Valles, advogada criminalista com mais de 20 anos de carreira e sócio-proprietária do escritório Valles&Valles – Sociedade de Advogados

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Por que as penas para crimes econômicos aumentaram sendo que a lei continua a mesma?

Por Jacqueline Prado Valles*

 

Desde 1986, com a sanção da lei nº 7492 pelo então Presidente da República, José Sarney, o Brasil tem criado normas que tipificam e qualificam os crimes econômicos. Desde então, diversas leis foram criadas para combater as fraudes contra o sistema econômico nacional, como:

Acontece que esses códigos não passaram por mudanças desde que foram sancionados. Entretanto, têm sido cada vez mais comum condenações de crimes econômicos com penas elevadas. É justamente essa a questão: afinal, porque as penas contra os crimes econômicos têm sido tão altas, sendo que não houve alteração nas leis?

Crimes econômicos no passado

Para entendermos completamente o porquê dessas mudanças, é necessário analisarmos como funcionava o processo de julgamento de crimes econômicos no passado (não tão distante).

A pena para esses crimes sempre foi, em média, de 3 anos, a mínima, e 10 anos, a máxima. Acontece que, após denúncia e investigação, para que o juiz condenasse o réu com pena acima da mínima, é necessário analisar, cuidadosamente, questões antecedentes e fora do objeto de denúncia do réu, ou seja, analisava-se seu comportamento social, sua personalidade, antecedentes e claro, as circunstâncias que o levaram a cometer tal crime. Não sendo o crime econômico um ato hediondo e pelo fato do transgressor, muitas vezes, ter bons antecedentes, condenava-se com pena mínima e o fato do réu ser primário o “levava” para cumprimento da pena em regime aberto.

Outra situação muito comum é que, durante todo o desenrolar do julgamento, com recursos e demais instrumentos, a pena acabava por prescrever, fazendo com que o réu, muitas vezes, não chegasse nem a pisar o pé na prisão.

Porque e como mudou

Recentemente vimos que o judiciário tem condenado com penas muito maiores do que em casos anteriores para o mesmo crime. Exemplos disso são o ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, que foi condenado a 45 anos de prisão, e o ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, que viu sua pena ir de 10 para 24 anos.

Um dos fatos que mais corroboraram para que as penas aumentassem tanto e para que réus de crimes econômicos fossem realmente presos foi uma decisão do Conselho Nacional de Justiça. Para combater a corrupção e de fato prender os infratores, em meados de 2011, o CNJ decidiu que os crimes contra a administração e fundos públicos deviriam ser julgados até, no máximo, 2013. Dessa forma, não corria-se o risco da pena prescrever sem que o criminoso pagasse pelo seu ato. Além disso, nos casos em que o réu cometeu mais de uma vez a infração, deixou-se de aumentar sua pena para somar todos os atos. Ou seja, aquela pessoa que cometeu 15 vezes o crime de lavagem de dinheiro, por exemplo, não teve sua pena aumentada pela quantidade de vezes que cometeu o crime, a decisão passou a ser a soma da condenação de cada ato.

Mas eu gostaria de ressaltar outros fatores importantes que também colaboraram para tão mudança: a qualidade do poder judiciário, o amadurecimento das leis e da democracia no Brasil e, principalmente, a fiscalização da população.

Diferente de tempos passados, hoje em dia, tanto mídia quanto cidadãos fiscalizam, com muito mais atenção, os poderes e acontecimentos públicos. Não é difícil nos depararmos com conversas sobre crimes econômicos, ou “do colarinho branco”; debates sobre como funcionam os três poderes e o processo de julgamento de um grande crime, e até mesmo as esferas do poder judiciário bem como seus atuantes.

Outra coisa é que, com os holofotes voltados aos trabalhos dos juízes de direitos, juristas em geral, deputados, senadores, e todos do poder público, estes têm buscado trabalhar com mais seriedade e empenho. Claro, isso não quer dizer que antes não trabalhava-se com seriedade, mas é inevitável, quando nosso trabalho está em evidência, sempre buscamos redobrar a atenção em nossas ações.

Toda essa fiscalização por parte da população e da mídia é ótima para o funcionamento correto das instituições, e isso só tem a crescer. Arrisco dizer que não vai demorar muito para que muitas pessoas conheçam a fiscalizar o processo de criação de uma lei até sua outorga.

Mas toda essa clareza e transparência dos atos judiciais colaboram para um processo democrático de direito mais perfeito para toda a sociedade,  acarretando assim,   um respeito maior entre a população e o poder público.

 

*Artigo escrito por Jacqueline do Prado Valles, advogada criminalista com mais de 20 anos de carreira e sócio-proprietária do escritório Valles&Valles – Sociedade de Advogados 

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