Por Jacqueline Prado Valles*
Recentemente, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal aprovou o pedido de habeas corpus (HC 143641), feito pelo Coletivo de Advogados em Direitos Humanos (Cadhu), que pedia a substituição da prisão preventiva pela domiciliar para alguns casos de encarceramento de mulheres. De acordo com a decisão, o instrumento cabe apenas para grávidas, mães de crianças de até 12 anos ou de filhos que possuem algum tipo de deficiência. E como já era esperado, a decisão gerou e recebeu diversos comentários, desde críticas dizendo que o parecer contribuiria com o tráfico de drogas, até elogios sobre como isso ajudaria tanto mãe e criança, quanto o sistema prisional feminino.
Mas, aproveitando o debate, eu gostaria de levantar o questionamento: diante de todos os problemas do sistema prisional do país e do drama enfrentado pelas mães que têm que permanecer com seu filho na prisão, será que o crime seria realmente o maior beneficiado?
Como funcionava antes do habeas corpus?
Apesar da decisão do STF, a possibilidade de cumprir a prisão preventiva em domicílio já existia desde a década de 1980. Acontece que, a lei que permite tal benefício, era aplicada apenas para os chamados casos humanitários. Não existe uma definição correta sobre o que é ou não é um caso humanitário, portanto sua interpretação fica à critério do juiz de direito. Mas dois exemplos do que pode ser entendido como caso humanitário é o da pessoa que contraiu alguma doença sem cura, como Aids, e precisa tomar um coquetel de remédios indisponíveis nas prisões, ou um idoso que não tem condições de cumprir sua sentença em uma prisão.
Além disso, desde 2011, com a Lei nº 12.403, presas grávidas e mães podiam cumprir a prisão preventiva em domicílio. E esse tipo de decisão já existia, o empecilho maior era apenas o mesmo argumento que continua sendo usado após a aprovação do habeas corpus pelo STF: “não é porque ela está grávida, ou já é mãe, que pode ter esse benefício”.
É importante lembrar que o debate sobre a prisão domiciliar para mulheres ganhou corpo quando o ministro Gilmar Mendes concedeu o benefício para Adriana Ancelmo, mulher do ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, que foi acusada a 18 anos de prisão por associação criminosa e lavagem de dinheiro. No caso de Adriana, o benefício se aplica porque seu filho mais novo tem 11 anos de idade.
Mas, ao contrário do que se imagina, essa não é uma decisão com distinção de classes sociais. Eu mesma já peguei, e presenciei, muitos casos em que mulheres mais pobres tiveram o benefício.
O que muda com a aprovação do habeas corpus coletivo
Deve ficar claro que o habeas corpus coletivo foi concedido pensando muito mais na criança do que própria e unicamente na mãe. Tanto que, para obtenção do benefício, além de se encaixar nas regras já mencionadas, a mulher não pode ser indiciada por:
- Violência ou grave ameaça
- Crimes cometidos contra seus descendentes
- Casos excepcionalíssimos (que ficam a critério do juiz)
Existe um, digamos, “drama carcerário social” muito grande em nosso país: o das mulheres que dão à luz nas prisões e/ou são obrigadas a deixar seus filhos logo nos primeiros anos de vida dele. E o maior prejudicado nisso tudo é a criança que, ou permanece em um ambiente insalubre logo em seus primeiros meses de vida, ou tem que ficar longe da mãe.
Portanto, volto a repetir: o habeas corpus coletivo foi concedido pensando muito mais na criança do que na pura liberdade da mãe.
Eu sou a favor da decisão, mas também acho que o tema não precisava chegar ao STF para ser levado em consideração. Para isso, bastava que os juízes de primeira instância cumprissem a lei e evitassem todo o desgaste social e familiar resultado da prisão de uma mulher grávida ou mãe de criança.