Por Jacqueline Prado Valles*
Quatorze anos após a sanção do Estatuto do Desarmamento (lei 10.826/2003), o Brasil volta a discutir a necessidade da legalização do porte de armas para civis se defenderem. A novidade é que a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou relatório que sugere a revogação do Estatuto. No meio de todo o debate, diversos dados e pesquisas corroboram para argumentos de ambos os lados. Tanto daqueles que são a favor, como daqueles que são contra a legalização do porte de armas.
Eu gostaria de levar algumas questões para esse debate: será que a população tem maturidade suficiente para uma decisão dessas? “Entregar” essa responsabilidade de defesa nas mãos da sociedade não é um grande erro. Além disso, não seria um atestado de falência do Estado no que se refere à segurança pública?
O que diz a lei 10.826/2003
O Estatuto do Desarmamento proíbe o porte de arma por civis, exceto quando há necessidade comprovada para defesa pessoal. Para tal, o requerente precisa apresentar uma série de documentos à Polícia Federal. Entre eles:
- Declaração escritaexpondo os fatos e circunstâncias que justifiquem o pedido de aquisição de arma de fogo, demonstrando efetiva necessidade
- Comprovar idoneidade, apresentando certidões negativas criminais fornecidas pela Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral
- Comprovar que não está respondendo a inquérito policial ou processo criminal (vide exemplo)
- Comprovação de ocupação profissional lícita
- Aptidão psicológica, que deverá ser atestada por psicólogo credenciado pela Polícia Federal. Confira a lista de psicólogos credenciadosaqui.
- Capacidade técnica, que deverá ser atestada por instrutor de tiro credenciado pela Polícia Federal;
- Entregar o requerimento de autorização para aquisição de arma de fogo preenchido. Disponível aqui.
- Pagar taxa de emissão de certificado de registro de arma de fogo (média R$ 60), caso seja deferido o pedido
Mesmo após a sanção da lei 10.826/2003, o índice de mortes causadas por armas de fogo não diminuiu drasticamente como esperava-se. Em 2003, o Brasil tinha cerca de 36,1 assassinatos por 100 mil habitantes. Atualmente, a taxa é de 29,9 mortes por 100.000 habitantes.
São justamente números como esse que têm corroborado com a pauta de liberação da posse e do porte de armas e com o novo Estatuto de Controle de Armas, que, dentre outras mudanças, propõe: registro permanente da arma de fogo, que o requerente não possua condenação por crime doloso e elimina a comprovação da necessidade efetiva para o porte.
Argumentos contra e a favor da liberação
Diversos são os argumentos, dados e estudos contra e a favor da liberação do porte de armas de fogo. Abaixo, alguns deles:
Contra
- Ter uma armaé sempre um risco à vida
- Com menosarmas, a taxa de homicídios cai
- As armas legaisacabam nas mãos erradas
- Aumentam as chances de consequências fatais da reação a assaltos
- Armas dentro de casa aumentam a chance de ferir um familiar por acidenteou conflito doméstico
A favor
- Os índices decriminalidade seguem altos mesmo após a proibição em 2003
- O cidadãotem direito de se defender
- Com treinamento, evita-se acidentes dentro de casa
- A criminalidade aumentou,pois o ladrão sabe que estamos desarmados
- Mortes portráfico tendem a diminuir
Arma não defende ninguém
Ao longo da minha carreira, eu atendi clientes que cometeram algum tipo de delito utilizando armas de fogo. Nesse tempo, uma coisa ficou clara: arma não defende ninguém. Eu não consigo visualizar nenhum benefício para a sociedade caso a posse e o porte de armas sejam liberados. Tudo bem que é necessário comprovar habilidade técnica e preparo psicológico para obter uma arma (que, convenhamos, é o mínimo), mas a realidade é diferente. Mesmo com os requisitos, o cidadão civil nunca terá o preparo e maturidade para usar a arma da forma correta. A probabilidade de um desfecho com vítimas fatais em casos de assalto, por exemplo, é muito grande!
Também ficou claro que a grande maioria dos incidentes com armas de fogo são causados pela perda do controle psicológico. Durante uma discussão ou briga de bar, aquele que portava uma arma sentiu-se “atacado”, muitas vezes sem nenhum contato físico, e acabou utilizando a arma para se proteger. Tenho convicção de que, com a liberação, voltaremos ao tempo em que a violência em alguns bairros era maior do que as regiões que estavam em guerra. Em 1996, por exemplo, quando a ONU considerou a violência do Jardim Ângela maior do que a guerra da Iugoslávia.
Por fim, eu não sou a favor das mudanças da lei 10.826/2003. Até porque, a segurança pública é um dever do estado, e não do cidadão civil.