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PF tem obrigação de investigar denúncias de Moro sobre Bolsonaro

A Polícia Federal tem autonomia prevista no artigo 144 da Constituição Federal para investigar as denúncias do ex-ministro da Justiça Sergio Moro sobre condutas que teriam sido cometidas pelo presidente Jair Bolsonaro e que caracterizariam crimes comuns. “A Polícia Federal tem a sua autonomia investigativa amparada pela Constituição Federal e pelo estado democrático de direito. O STF e o Ministério Público Federal também podem solicitar a instauração dos inquéritos para apurar as condutas criminosas que teriam sido cometidas pelo presidente Bolsonaro”, afirma a jurista e mestre em Direito Penal, Jacqueline Valles.

No pronunciamento em que anunciou a saída do governo, o ex-ministro denuncia que a sua assinatura eletrônica no decreto de exoneração do diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, foi fraudada e diz que não houve exoneração a pedido, como o documento presidencial publicado mostra. “Isso é crime de falsidade ideológica, previsto no artigo 299 do Código Penal. O texto do artigo diz que é crime ‘omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante’”, explica a mestre em Direito Penal.

PF tem obrigação de investigar denúncias de Moro sobre Bolsonaro

Caso as denúncias de Moro sejam confirmadas em investigação, o presidente pode ser autuado com base no artigo 321 do Código Penal, que prevê até três meses de prisão para quem “patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário”. “O crime de advocacia administrativa fica caracterizado quando Moro afirma que o presidente queria ter acesso a relatórios de inteligência de investigações da PF. Esses relatórios não são compartilhados nem com toda a Polícia Federal e não podem ser acessados por ninguém, nem pelo presidente da República”, completa Jacqueline.

Ainda segundo o discurso de Moro, Bolsonaro teria confirmado que a troca na diretoria da Polícia Federal seria uma interferência política e que o presidente pretendia colher informações diretamente com o diretor-geral e com superintendentes da PF. “A PF tem autonomia constitucional para investigar e o presidente não tem prerrogativa para interferir. Isso pode ser classificado como crime”, detalha Jacqueline.

A jurista aponta, ainda, que o discurso de Moro relatou práticas do presidente que podem ser enquadradas em crimes de responsabilidade, como a interferência política e acesso a investigações da Polícia Federal e do Supremo. “Os crimes de responsabilidade, todos os atos que atentem contra a democracia, a paz e os órgãos da União, são aqueles que dão base para o pedido de impeachment do presidente”, diz.

Prevaricação

A jurista explica que o diretor-geral da PF, independentemente de ser indicado ou não pelo presidente da República, tem obrigação legal de investigar as denúncias feitas por Moro, sob pena de cometer crime de prevaricação. “Para investigar crimes comuns, a PF precisa submeter sua investigação à Câmara dos Deputados, que analisa e remete para o Procurador Geral da República, que encaminha o processamento da investigação para o STF. Se a PF não investigar, isso caracteriza crime de prevaricação”, completa a jurista.

*Artigo Publicado originalmente no portal SB24Horas

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Tragédia de Brumadinho revela a sutil diferença entre dolo eventual e culpa consciência

Você imagina os engenheiros e outros funcionários da Vale agindo deliberadamente para provocar a morte de 252 pessoas na tragédia de Brumadinho? Acha normal que alguém vá trabalhar e decida não tomar essa ou aquela atitude, aceitando normalmente o risco de matar centenas de pessoas?

É essa a conclusão da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga a tragédia de Brumadinho. O relatório final pede o indiciamento por homicídio doloso e lesão corporal dolosa, quando há intenção de cometer o crime, de 22 diretores da Vale, engenheiros e terceirizados, em virtude do rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG).

É preciso fazer uma análise técnica sobre o assunto. A situação do dolo eventual apontada no relatório imputa aos dirigentes uma intenção previamente deliberada de provocar mortes.

Mas, quando digo que os funcionários tinham todas as condições para saber que aquela barreira estava mal instalada, mal vigiada e, ainda assim, não tomaram as devidas medidas de proteção, eu estou afirmando: “vocês foram extremamente omissos com a segurança”. E isso, segundo a lei, é um crime culposo.

Esse tipo se configura quando o agente não tem a intenção de cometer um crime, mas age de forma negligente. Para punir esse tipo de conduta há, no Código Penal, a figura do homicídio culposo.

A pessoa comete crime de duas maneiras: ou ela tem a intenção, o que chamamos de dolo, ou comete sem intenção, de forma culposa. Há duas vertentes para o dolo: o direto, com uma ação deliberada, ou eventual, na qual se assume o risco de cometer um crime e, mesmo assim, não se adota alguma providência contrária. Nesse caso, a pessoa já tem em mente o chamado ‘animus necandi’, a intenção de cometer um delito. O dolo eventual continua, no final do trajeto, apontando para a intenção, ainda que indireta.

Analisando tecnicamente os fatos, não é possível imputar o dolo aos funcionários. E isso não quer dizer que eles não possam ou não devam ser responsabilizados. Existem dois tipos de culpa, a que chamamos de inconsciente, quando não há a dimensão de que se está agindo de forma a praticar um delito, e a consciente, quando existe a consciência de que há um risco em sua conduta ou ação negligente.

A linha entre a culpa consciente e o dolo eventual é muito tênue. No caso em questão, está claro que se trata de uma culpa consciente. Para o magistrado ou promotor público acusar o agente de dolo eventual, no entanto, é indispensável identificar no sujeito, desde o início de suas ações, a vontade de, neste caso, provocar mortes e destruição. E não é possível imputar a esses funcionários e dirigentes da Vale a intenção de matar 252 pessoas.

 

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Injúria Racial não é Racismo

No último domingo, o Brasil assistiu a cenas lamentáveis de manifestação de preconceito durante uma partida de futebol no Mineirão. Alguns torcedores xingavam um segurança de “macaco” e tentavam ofendê-lo usando a sua cor. A repercussão das imagens ganhou rapidamente as redes sociais, chegou à polícia e permitiu a identificação dos envolvidos no episódio.

Dois homens foram indiciados por injúria racial. Os apelos por prisão nas redes sociais foram muitos, mas o que precisa ficar claro, neste caso específico, é que injúria racial, diferente do racismo, não é um crime de ação penal pública. Ou seja, não cabe ao Estado processar os agressores.

Punível com pena de prisão que varia de 1 a 3 anos e multa, é preciso que a vítima processe seus ofensores para que haja uma eventual punição posterior.

Neste caso, além de registrar um boletim de ocorrência relatando o fato, a vítima tem que dar início ao processo por meio de seu advogado. A injúria racial se caracteriza quando alguém usa a origem, etnia, raça ou religião para ofender a honra de uma pessoa ou um pequeno grupo.

O crime de racismo, além de ser inafiançável e imprescritível – ou seja, a vítima pode denunciar o seu agressor a qualquer momento, é de ação penal pública. Nestes casos, o Estado dá prosseguimento ao processo assim que o inquérito é concluído, após análise do Ministério Público. Este crime se caracteriza quando alguém utiliza uma pessoa ou grupo específico para ofender toda uma etnia, raça, população ou grupo religioso.

No primeiro caso, a raça é usada para ofender alguém. No segundo, o criminoso usa uma pessoa para atingir toda uma raça ou etnia, por exemplo. Essa diferenciação e a consequente falta de informação sobre a especificidade de cada crime têm levado muitas pessoas a deixarem de processar seus ofensores depois de serem vítimas.

Quando a pessoa sofre uma injúria racial e confunde com o racismo, acredita que basta registrar o boletim de ocorrência para o processo ser futuramente instaurado. E, por isso, não procura um advogado para dar andamento ao caso. Quando elas descobrem que precisariam processar seus ofensores de forma privada, já se passaram meses após a apreciação dos casos pelo Ministério Público e o crime acaba prescrito.

A falta de informação tem sido a maior responsável por fazer com que haja tão poucas ações penais de injúria racial no Brasil. Por outro lado, a dificuldade de comprovar a ocorrência do racismo também tem feito com que o número de processos seja baixo.

A lição que aprendemos com mais esse lamentável episódio é que a informação e a educação são as chaves para evitar que cenas como as que vimos no Mineirão voltem a acontecer.

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Estelionato Sentimental

Será que alguém enganado pelos encantos de outra pessoa pode ser vítima de crime ou a relação emocional entre duas pessoas não pode ser levada para o campo da Justiça Criminal?

Hoje em dia, há muitos julgados reconhecendo o direito de indenização cível daquele que se sentiu enganado, mas há muita dúvida se pode ser crime ou não.

Em minha concepção, há crime, sim, e o previsto no artigo 171 do Código Penal, com pena de 1 a 5 anos de reclusão, não podendo fazer transação penal com o Ministério Público para encerrar o processo. O crime de estelionato está bem claro a partir do momento em que a vítima é iludida pelo golpista e, em razão de seus atos ardilosos,  tem uma perda financeira  .

Essas pessoas desonestas, as quais se aproximam das vítimas que estão, naquele momento, frágeis e vulneráveis, podem ser tanto mulher quanto homem, jovens  ou  mais maduras. O estelionatário não tem uma característica de gênero, pois seu maior atributo é a arte de enganar, com gestos humildes, finos, extremamente educados e cativantes. Enfim, ele sempre irá envolver a vítima com atitudes positivas para conseguir a confiança dela. No início da relação, ele pode investir financeiramente, seja  levando–a a  jantares, em restaurantes caros; a viagens curtas, com carros importados;  entre outros atos, mas, com certeza, ele será muito paciente, pois precisa de um período de convivência para que a vítima possa confiar e se sentir familiarizada com ele.

Culturalmente, as mulheres são as que mais nos procuram para ingressarmos juridicamente contra esses estelionatários, pois o homem, quando percebe que foi vítima de uma golpista,  acaba silenciando para não ser humilhado publicamente. Porém, isso não deveria ser temido, pois, embora se trate de processo de ação penal pública, há situações em que podemos requerer segredo de justiça.  

CONFIRMAR: HÁ CRIME, SIM, E TAMBÉM O QUE ESTÁ PREVISTO… /OU E ESTÁ PREVISTO…

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Será que a justiça sempre é justa?

Erros judiciais acontecem com mais frequência do que se imagina, e as causas podem variar. Podem partir de uma acusação falsa, que é a responsável por grande parte dos erros judiciais; uma perícia imprecisa, o que não é difícil devido às precárias situações da polícia no Brasil; um reconhecimento errado do autor, que, em muitos casos, não é feito de acordo com o artigo 226 do Código de Processo Penal, que em seu inciso II estabelece: “a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la.”; uma conduta abusiva de um agente estatal, que força uma confissão, muitas vezes obtida mediante tortura.

O caso de Leonardo dos Santos, que aconteceu em Santana do Parnaíba, região de São Paulo, que está preso há 5 anos por ter sido acusado de ser o mandante do crime de seu sócio, Vinícius, é um exemplo.

Em 2014, Vinícius foi encontrado morto com um tiro, dentro do seu carro, mas, como seus pertences não foram levados, com exceção do celular, a polícia descartou a hipótese de latrocínio, que é roubo seguido de morte.

À época, seu sócio no Lava-jato, Leonardo, forneceu várias informações ao delegado, inclusive os atos criminosos que ele e Vinícius cometiam, como roubos. Isso, somado aos depoimentos de parentes da vítima, como o da ex-esposa, que afirmava ter gravações de ameaças de Leonardo ao ex-marido, pois ambos já haviam trocado ameaças, visto que a relação no negócio não caminhava bem; e ao rastreamento de localização de ligações feitas no celular da vítima, o qual apontou como última ligação a que foi feita a um homem chamado Fábio, que era um fugitivo da polícia, um conhecido de Leonardo e que também havia ligado a ele no dia do crime,  fizeram com que o sócio da vítima fosse apontado como o mandante do crime.

Entretanto, as gravações de supostas ameaças nunca foram apresentadas e a ligação de Fábio a Leonardo foi para pedir emprego.  Apesar de todas as acusações sem provas, a juíza decretou a prisão “temporária” de Leonardo, depois de um ano, por “crime passional”, outro erro do processo, pois este tipo de crime diz respeito a casos em que há uma relação de romance entre os envolvidos, o que não era o caso; e em que, por motivo de segurança à vítima, é decretado a prisão temporária do acusado por ele representar uma ameaça a ela. No presente caso, a situação é ridícula, pois a vítima já está morta desde a data do delito.  Leonardo, portanto,  estava sendo preso por um motivo diferente do caso narrado, mas isso não foi corrigido, nem nas instâncias superiores.

Passaram-se 5 anos e, durante esses anos em que ele esteve preso, foram ouvidas várias testemunhas que afirmaram ter sido obrigadas e/ou ameaçadas na delegacia a depor contra ele e que, inclusive, nem o conheciam.

Em um caso como esse, é necessário ser criterioso e não tendencioso, pois os estragos na vida de uma pessoa podem ser irreparáveis.

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Até que ponto a idade avançada pode interferir na condenação de idosos?

Por Jacqueline do Prado Valles

 

Os crimes de grande repercussão na mídia envolvendo idosos sempre geram debate e, principalmente, dúvidas. Afinal, até que ponto a idade do réu pode influenciar em sua condenação? Todos têm direito a diminuição de pena e benefícios especiais? 

Segundo o Art. 65 do Código Penal, possuir mais de 70 anos na data de sentença é motivo de diminuição de pena, mas essa redução não é muito significativa a ponto de alterar a sanção penal do condenado. 

Art. 65 – São circunstâncias que sempre atenuam a pena: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) 

– ser o agente menor de 21 (vinte e um), na data do fato, ou maior de 70 (setenta) anos, na data da sentença; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) 

Há também um grande número de condenados idosos em casa, já que as chances de prisão domiciliar aumentam a partir dessa idade, em razão da fragilidade física e mental dessas pessoas.  

Claro que não é uma regra fixa e o processo de condenação de idosos é muito mais complexo, levando em consideração muitos outros aspectos além da idade. O ex-presidente Lula, por exemplo, tem 73 anos e segue preso. Já Paulo Maluf, 87, cumpre a pena em casa. O médium João de Deus, 76, está na cadeia e o ex-médico Roger Abdelmassih, 75 e também acusado por abusos sexuais, está em prisão domiciliar. 

Quais os critérios para a condenação de idosos? 

Estão envolvidas as circunstâncias relacionadas, principalmente, aos custos para o Estado. Quando um idoso cumpre a pena em casa, de maneira monitorada, que representa a prisão domiciliar, não é uma questão de benevolência, mas uma adequação com a realidade dos fatos e o objetivo do cumprimento de pena na prisão. Há 2 fatores que importam para a sociedade no momento em que uma pessoa é condenada: o castigo pelo mal que fez e a ressocialização, ou seja, a possibilidade dessa pessoa voltar a viver em sociedade. 

O custo para manter idosos na cadeia é muito alto. Vamos imaginar uma pessoa como o ex-médico Roger Abdelmassih, que foi condenado a cumprir mais de 100 anos de prisão. Embora a Constituição Federal Brasileira admita o cumprimento máximo de 30 anos, o mesmo, que hoje está com 75, sairia da prisão aos 105 anos de idade.  Os requisitos castigo e ressocialização nesse caso se tornam inócuos e extremamente onerosos para o Estado. Manter um idoso após os 75 anos na cadeia seria um desgaste financeiro para a Administração Penitenciária. Além disso, o objetivo de ressocializá-lo se torna completamente ineficaz pois, para uma pessoa nessa fase da vida, não há mais perspectiva de aprendizado sobre como conviver melhor em sociedade. 

Logo, o custo-benefício para a sociedade será muito pior ao tentar manter esse idoso sob os cuidados do Estado.  

A questão da saúde é o fator determinante para a concessão do regime domiciliar, e não simplesmente a idade avançada. 

A Justiça então faz manobras como a diminuição de 1/6 da pena (podendo variar para mais ou menos) e a prisão domiciliar. Regime esse que não é oferecido a todos os idosos, mas àqueles mais frágeis, incapazes de cometer crimes novamente e que não podem ser cuidados na cadeia. 

Apesar de parecer benéfico para os condenados, é importante lembrar que eles ficam proibidos de se ausentarem da Comarca sem a devida autorização do juiz, são impedidos de praticarem atos de ofício relacionados ao delito, proibidos de se comunicarem com determinadas pessoas, entre outras restrições. 

O presidente Bolsonaro assinou um indulto no início dmês passado que concede o direito de liberdade a portadores de doenças mais graves ou em estado terminal. 

Diminuir pena ou permitir a prisão domiciliar é pela questão econômica e a incapacidade do réu de cometer qualquer ato ilícito ou violento. Não é diminuir sua punição, mas seguir uma questão lógica.

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O que esperar do plea bargain proposto pelo Moro?

Por Jacqueline do Prado Valles

Uma das primeiras propostas de Sérgio Moro como ministro da Justiça e Segurança Pública tem gerado grande repercussão e dividido opiniões entre advogados. O fato é que o ex-magistrado pretende adotar o plea bargain na legislação brasileira a fim de aumentar a eficácia da Justiça Criminal. 

Apesar do apoio da Secretaria de Relações Institucionais da Procuradoria-geral da República e a Câmara Criminal do Ministério Público Federal (MPF), declarado recentemente, o projeto ainda está em discussão no ministério e só será apresentado ao Congresso em fevereiro. Mas será que a novidade seria, de fato, positiva para combater a criminalidade e desafogar o Judiciário? 

O que é o plea bargain? 

Tipicamente norte-americano, o dispositivo jurídico consiste em um acordo entre o MPF e o réu, garantindo a diminuição da pena em caso de confissão. Ou seja, é oferecida ao acusado, antes mesmo da abertura da ação penal, uma punição mais branda caso ele assuma a culpa pelo crime sem contestar. Evitando, assim, que o caso siga para julgamento. 

Como funciona nos EUA 

plea bargain é muito comum nos Estados Unidos, onde é legalizado e funciona de forma regular. No país, entre 90% e 95% dos casos são resolvidos com o acordo. 

Ou seja, apenas uma pequena parcela dos casos segue com o processo e investigação para, enfim, julgar o cidadão. Apesar de à primeira vista parecer uma solução positiva para acelerar todo o processo e diminuir o gargalo de casos esperando por julgamento, a iniciativa provou não ser efetiva para diminuir a criminalidade no país norte-americano. 

Como reflexo, são 2,1 milhões de presos, com a proporção de 655 para cada 100 mil habitantes. Para efeito comparativo, temos pouco mais de 700 mil presos no Brasil, com um sistema carcerário que já sofre com a superlotação. Os dados são do site http://www.prisonstudies.org 

Funcionaria no Brasil? 

Desde os anos 90 temos um mecanismo parecido para crimes de menor potencial ofensivo – previsto na lei 9.099/95 – no qual atinge os delitos com penas de até 2 anos. Mas o plea bargain é diferente, pois o réu não se torna culpado ou prova que é inocente, ele simplesmente não apresenta defesa e assume o crime sendo penalizado com uma sanção menor.  

Apesar da aparente vantagem, é importante reforçar que nesse caso não haveria nenhuma defesa 

Se em um caso de um homicídio o réu poderia ser condenado a uma pena de até 30 anos, ao aceitar o acordo ele teria uma pena mais branda, com a diminuição de 10 anos, por exemplo. 

Muitas pessoas podem pensar “se ele for inocente, não tem o que temer. Logo, se aceitou o acordo, ele é culpado”. Esse pensamento não deve ser considerado um raciocínio exato, pois há muitos erros de investigação que somente são apurados durante a defesa em juízo, algo que não ocorreria numa situação de plea bargain.

Nessa semana tivemos a notícia de uma pessoa que foi presa após a mãe da vítima de latrocínio reconhecê-lo na delegacia como o atirador do disparo que matou seu filho. Ele foi encaminhado para um juízo prévio e a acusação pediu a prisão preventiva, que foi deferida pelo juiz. Somente após a família ter apresentado provas de que o rapaz preso tinha sido filmado em outro local no momento do crime que o juiz resolveu libertá-lo. Nesse caso, a família do acusado apresentou as provas, mas, se ele não tivesse esse amparo familiar, as autoridades policiais e judiciais já haviam o considerado culpado para a proposição de um acordo. Muito provavelmente, o acusado, no momento de desespero, teria aceitado qualquer situação que pudesse beneficiá-lo em um contexto tão terrível de atos contra ele. 

Muitos, por medo de seguir com o julgamento, perder o processo ou acabar com uma pena maior, acabariam aceitando o acordo, mesmo não se considerando culpados. Como consequência, além de possíveis injustiças, haveria um crescimento drástico da massa carcerária brasileira, que atualmente já não comporta o número de presos. 

O projeto seria um retrocesso, pois todos seriam penalizados ao não investigar e provar inocência ou culpa. O reflexo seria muito ruim, principalmente na parcela mais simples da sociedade, que não conseguiria recorrer por não contratar um advogado e aceitaria o acordo para não correr risco de uma pena mais severa. 

Outro problema é a ilusão de que o plea bargain seria positivo ao país por economizar com o Poder Judiciário. Economiza-se, sim, ao eliminar um dos processos, mas o gasto com as cadeias será muitas vezes maior para conseguir comportar o grande volume de presidiários. 

Além disso, as pessoas seriam penalizadas pelo simples fato de se declararem culpadas, não por um devido julgamento. Adotar esse modelo seria ir contra a própria natureza do processo penal brasileiro, que é investigar e ir atrás de provas. 

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Como são julgados os casos de maus-tratos aos animais?

Por Jacqueline do Prado Valles

Nas últimas semanas, a morte brutal de um cachorro na cidade de Osasco, na Grande São Paulo, chocou o país e deixou o brasileiro em busca de respostas. Mais que isso, trouxe novamente à tona o debate sobre o julgamento dos crimes de maus-tratos aos animais e a resposta da Justiça para tamanha crueldade. 

Na ocasião, o animal foi envenenado e espancado por um segurança do supermercado Carrefour. Infelizmente ele acabou não resistindo e a população se mobilizou, promovendo manifestações e até uma petição assinada por cerca de 1,5 milhão de pessoas pedindo por punição. O acontecimento viralizou na mídia e redes sociais, e o funcionário foi indiciado. 

No Brasil, os crimes de maus-tratos aos animais são julgados de acordo com a Lei de Crimes Ambientais (nº 9.605/98), uma lei mais geral criada para penalizar casos contra o meio ambiente e animais silvestres e domésticos. Antes dela, não havia pena para tais ações. 

No caso específico dos animais, o art. 32 prevê que: 

Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos: 

Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa. 

  • 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.

  • 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.

Ou seja, uma lei que protege, mas não pune adequadamente. Como os maus-tratos aos animais não são vistos como crimes muito ofensivos, o agressor nunca vai preso. A pena menor, de três meses, inclusive permite pagamento de multa e substituição de pena. 

Caso seja provado que o Carrefour teve atuação direta com os maus-tratos, a empresa deve ser punida. No caso de pessoa jurídica, há multa e, em casos extremos, até fechamentos de unidades.  

Em 2011, um caso parecido chocou a população. Uma enfermeira de Goiás agrediu seu cachorro em casa e o vídeo viralizou. Ela só foi condenada em 2014 e a pena de 1 ano foi convertida em prestação de serviço e multa. Ou seja, a Lei de Crimes Ambientais impõe menos importância para crimes do tipo. E, apesar de promover iniciativas para reprimir, não pune. 

Felizmente, a repercussão com o caso do Carrefour foi positiva e o Projeto de Lei 3141/12, que segue para o Senado, quer penalizar de forma específica os crimes de maus-tratos aos animais. A pena passaria a variar entre 1 e 4 anos, além da multa e a possibilidade de detenção em regime semiaberto. 

É importante perceber como a indignação social tem força para influenciar na mudança de leis em prol de uma punição mais justa aos agressores, mas ainda há longo caminho a ser seguido e não deve acabar com esse tipo de crime. Afinal, o homicídio tem penas de 1 a 30 anos e, infelizmente, não chegam ao fim pelo tamanho da pena. 

Casos de tamanho impacto social também são marcados por linchamento virtual dos agressores nas redes sociais, o que não resolve nada. A violência pela violência não ajuda a sociedade. Entretanto, é necessário, como cidadão, exigir por justiça e pedir pela solução e o fim desses casos. 

Por fim, é importante ressaltar que crimes contra animais não devem ser desmerecidos quando comparados à homicídios, por exemplo. A indignação da sociedade deve ocorrer sempre, tanto com crimes contra humanos ou animais. Crime é crime. 

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Sérgio Moro e as implicações ao se tornar ministro da Justiça

Por Jacqueline do Prado Valles

As Eleições 2018 chegaram ao fim, mas o país segue vivendo um período conturbado e de polaridade após a escolha de Jair Bolsonaro para presidente. Uma de suas primeiras e controvérsias decisões foi a escolha de Sérgio Moro para o cargo de Ministro da Justiça, gerando um debate acalorado.

Não há nada, segundo a justiça, que o impeça de aceitar e exercer o cargo. O mínimo exigido é que ele respeite o prazo de 90 dias após pedir exoneração do cargo atual, o que já fez. O objetivo é seu desligamento completo de processos em andamento, antes de iniciar a nova função em janeiro.

Visto por muitos como herói nacional, o juiz iniciou a carreira aos 24 anos e foi reconhecido pelo combate à corrupção de colarinho branco no país, estando a frente de grandes operações nos últimos anos.

Entretanto, foi muito questionado se a decisão de aceitar o cargo no governo Bolsonaro seria ética, principalmente ao levar em conta seu envolvimento com a operação Lava Jato e a prisão do ex-presidente Lula.

O fato de Sérgio Moro ter participado de toda a investigação do concorrente do candidato que, hoje, o nomeia a um importante cargo no governo, deixou a população desconfiada.

Afinal, o juiz precisa ser extremamente imparcial e, ao notar atos que supostamente teriam sido feitos para favorecer alguém, se torna um juiz questionável.

Dois momentos são importantes para exemplificar a situação: em 2016, Sérgio Moro divulgou uma ligação entre Dilma e Lula, prova essa que não fazia parte julgamento, e acabou inflamando a questão do impeachment. A impressão que ficou é que seria um ato político enquanto magistrado.

Esse ano, quando Haddad encosta na concorrência com Bolsonaro, Moro retira o sigilo de trecho da delação premiada de Antonio Palocci, um depoimento sobre Lula. O processo já estava em andamento e a divulgação dessa informação soou, mais uma vez, como um ato político.

Ainda é cedo para afirmar qualquer coisa, visto que Sérgio Moro acabou de aceitar o cargo, que ocupa apenas em janeiro. Mas a ideia do poder judiciário sob qualquer influência é preocupante e instituições constitucionais em prol de uma ideia política é perigoso.

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Lei da Ficha Limpa: como é julgada a inelegibilidade de políticos?

Por Jacqueline do Prado Valles

Estamos a poucos dias das decisivas Eleições 2018, que vão eleger candidatos aos cargos de presidente, governadores, senadores, deputados federais e estaduais. Em meio a tantas polêmicas durante esse momento extremamente acalorado da política brasileira, muitos acabam se questionando sobre a questão da confiabilidade e inelegibilidade dos políticos. Mas a Lei da Ficha Limpa é realmente efetiva?


Como era antes?

Antes do surgimento da lei, há 8 anos, o art. 14, § 3º da Constituição Federal de 1988 já dizia que todos podem eleger e ser eleito, desde que preencham alguns requisitos, como idade mínima de 35 anos completos para os cargos de presidente, vice-presidente e senador federal, ter nacionalidade brasileira, situação militar regularizada, ser alfabetizado, estar em dia com a Justiça Eleitoral, etc.

Na sequência, em 1990, a Lei da Inelegibilidade (Lei Complementar Nº 64) passou a especificar que não poderia se candidatar aqueles julgados, sobretudo, por crime de abuso de poder econômico e político.

A Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº. 135), de 2010, foi criada justamente para complementá-la, estabelecendo novas hipóteses de inelegibilidade. Precedida por uma forte pressão da população, que exigia uma postura mais rígida contra a corrupção. Foi uma iniciativa popular, e não dos deputados.

 

O que diz a Lei da Ficha Limpa

Altera a Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990, que estabelece, de acordo com o § 9o do art. 14 da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação e determina outras providências, para incluir hipóteses de inelegibilidade que visam a proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato.

Segundo a lei, de iniciativa popular, candidatos condenados em segunda instância, ou seja, por um órgão colegiado, se tornam inelegíveis por 8 anos, mesmo se estiverem recorrendo.

Por esse motivo, o processo de aprovação foi um tanto quanto agitado e a decisão foi para o Supremo Tribunal Federal, que precisou definir a constitucionalidade ou não da lei. A decisão foi apertada e, dos 11 ministros, 6 votaram que a lei é constitucional, enquanto 5 foram contra. Enquanto uma parte defendeu o que está escrito na Constituição, a outra defendeu o desejo da população.

Apesar de ser uma iniciativa popular legítima, muitos defendem que não se pode infringir princípios da Constituição, penalizando de forma ríspida alguém que sequer foi julgado em última Instância.

A discussão que permanece até hoje é se, de fato, a Lei da Ficha Limpa respeita a Constituição, já que ignorá-la por pressão popular e infringir o princípio básico de inocência é, no mínimo, perigoso para a sociedade.

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