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Amor materno: protecionismo além da justiça

Por Jacqueline Prado Valles*

 

Com a recente data comemorativa do Dia dos Pais, as emoções familiares ficam ainda mais frescas em nossa memória sentimental. Aproveitando esse gancho, nesse artigo falarei sobre um dos amores mais incondicionais: de pais ou mães. Mas, ao contrário do que propõe a data sazonal, vou tratar em especial do amor materno.

Diferente do artigo anterior, neste não darei característica de um réu, mas de uma mãe capaz de qualquer coisa para proteger seu filho ou filha. Para exemplificar, vou relatar um caso que reflete perfeitamente o grau de protecionismo que uma mãe pode ter com um filho ou filha.

 

Luiza: um caso de extremo amor materno

Para preservar a identidade de minha cliente, aqui a chamarei por Luiza. Mãe de duas meninas, morava com seu marido e as filhas. O marido da filha mais velha, de 23 anos, completava a lista de moradores. Em um dia, supostamente, Luiza e o genro se desentenderam, e a mulher disparou 2 tiros contra o rapaz.

Fui procurada pelo marido de Luiza para assumir a defesa do caso. Ele me contou que a esposa era ré confessa do homicídio, e estava presa há 3 meses em uma penitenciária feminina.

Comecei a visitar Luiza e investigar melhor a situação. Logo notei muitas incoerências naquela história. Até não conseguia dar muitos detalhes da briga com o genro, se perdia em seus próprios relatos. Tudo o que dizia com convicção era: “Fui eu, eu matei meu genro”. A cliente alegava legitima defesa, mas não havia uma história que sustentasse o pedido. Ela estava, nitidamente, mentindo.

Outro fato que me intrigou durante a investigação foi o nome da filha mais velha – a viúva – não aparecer entre as visitas permitidas pela acusada. Quando questionei esse ponto, esposa e marido diziam que a filha, além de muito atarefada, estava deprimida. Pediram para que eu não a procurasse. Eu, que não enxergava em Luiza uma assassina, começava a suspeitar de estar diante de um caso em que o amor materno tenha levado uma mãe a atitudes extremas, como assumir a culpa de um crime que não cometeu.

A explicação de Luiza  sobre como pegou a arma do crime também não era nada convincente. Segundo ela, pertencia ao genro, que era vigilante. Ela disse ter pego a arma da cintura do rapaz. Em um primeiro momento, disse que pegou a arma durante a briga. O discurso mudou quando questionei essa possibilidade, já que a força física de um homem de 1,90 cm, estatura aproximada da vítima, era superior à dela. Dessa vez, alegou que ele estava distraído.

Sempre que assumo a defesa de algum crime, principalmente familiar, procuro absorver, ao máximo, o ambiente daquela pessoa. Família, vizinhos, pessoas próximas. Todo mundo é ouvido. Nesse caso, não poderia ser diferente.

Além da família, fui atrás dos vizinhos que ouviram os tiros e chamaram a polícia. Segundo eles, o genro de Luiza, que aqui chamaremos de Alexandre, era um homem que se envolvia com outras mulheres e também conhecido pelo grande consumo de bebidas alcoólicas – o que resultava em frequentes discussões na casa.

 

A defesa

Mesmo com incansáveis investidas para que Luiza dissesse a verdade, a cliente continuava insistindo em uma história pouco provável. O pedido de Legitima Defesa jamais seria aceito pelo júri, pois não havia relatos ou provas para sustentá-lo.

Em um dos últimos encontros antes do julgamento, disse à Luiza que, se assim quisesse, ela poderia alegar Legitima Defesa perante o júri. Eu, no entanto, não usaria dessa defesa, pois era incompatível com a realidade jurídica.

Mesmo diante dos meus argumentos, Luiza se mostrava inflexível. Dizia que confessaria o crime. Como reflexo de seu desespero, alegou que cumpriria o tempo que fosse necessário, ainda que o crime fosse classificado como Homicídio Qualificado Hediondo. Nesse caso, o resultaria seria uma pena de 12 a 18 anos. A acusada chegou a dizer que, se eu não alegasse legitima defesa, preferiria que nada fosse feito.

 

O julgamento

Em clima de extrema tensão, começou o julgamento. Durante seu pronunciamento, o promotor questionou a história apresentada pela acusada. Notando a contradição no discurso da ré, o promotor pediu o encaixamento do crime no Art. 121 § 2º, II no Código Penal, homicídio por motivo fútil.

Chegado o momento da defesa, pedi a absolvição de Luiza, devido à falta de provas que pudessem ir contra as acusações, atestando a possível inocência de minha cliente. Nesse momento, Luiza começou a se exaltar, falar alto, ficar nervosa. Em um ato de desespero, voltou a afirmar que havia cometido o assassinato.

Os integrantes do júri também sentiam que a história de Luiza estava mal contada, e que alguns fatos haviam sido omitidos. Eu, que já desconfiava de que o amor materno de Luiza    estava levando-a a assumir um crime que não havia cometido, percebi que os jurados compartilhavam das minhas suspeitas. Em dado momento, um jurado chegou a questionar o porquê de ela estar se acusando, e a quem estaria protegendo.

Em minha tréplica, aproveitando da dúvida do júri, insisti na absolvição de Luiza, levantando a falta de provas.

 

 

O veredito

Como advogada, eu confio muito nos critérios de decisão dos jurados. Ainda que composto por pessoas sem conhecimentos técnicos de Direito, o júri tem uma grande sabedoria da realidade humana. É sempre possível detectar alguma sensibilidade nas tomadas de decisão. Após a resolução desse caso, tive ainda mais certeza disso. 

Antes do veredito, ao  júri se faz os seguintes questionamentos: a vítima morreu em decorrência do crime? Luiza foi responsável pelo homicídio? Luiza teria assassinado o genro por um motivo fútil? E foi a resposta a esta última pergunta que fez a diferença no julgamento: não. Na decisão dos jurados, não houve discussão ou futilidade, contradizendo a história contada por Luiza. Além disso, a decisão ia contra a ideia de que o genro de Luiza teria sido pego de surpresa, também em contrapartida com o relato da ré.

O júri sabia que as alegações de Luiza não eram verdadeiras, mas fizeram a justiça que acreditavam ser plausível. Minha cliente foi condenada por Homicídio Simples, e destinada à pena de 6 anos em regime semiaberto. Uma pena cumprida por deixar seu amor materno se sobressair diante de toda e qualquer circunstância.

 

A verdade por trás do caso

Passado o julgamento, durante o cumprimento do regime semiaberto, Luiza e o marido foram até o meu escritório. Foi nesse momento que minhas suspeitas se confirmaram.

Durante uma discussão com Alexandre, a filha do casal pegou a arma e disparou contra o peito do próprio esposo. Desesperada, ligou para a mãe, que, devido ao seu incondicional amor materno, assumiu a culpa do crime. Luiza teria pedido para a filha esconder a arma em um lugar específico. Para afastar suspeitas, também pediu que a filha saísse de casa. Pouco depois, já na presença da polícia, a mãe chegou, revelando a localização da arma, e assumindo a autoria do crime.

E foi o mesmo amor materno que motivou a mulher a assumir um crime que nunca cometeu, que a levou ao meu escritório naquele dia. Luiza fez um apelo para que não fossem atrás no testemunho da filha, e a deixassem em paz. Eu a tranquilizei, dizendo que, uma vez acusada, o caso estava encerrado, e não seria reaberto para procurar novos culpados.

Só assim aquela mãe pode ir embora e cumprir a pena que lhe foi resignada, revelando um grande alívio por poder proteger a filha.

 

*Artigo escrito por Jacqueline Prado Valles, advogada criminalista com mais de 20 anos de carreira e sócio-proprietária do escritório Valles&Valles – Sociedade de Advogados

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Violência contra a mulher: características de um homicídio passional

 

Por Jacqueline Prado Valles*

Como levantei no meu último artigo, em boa parte dos casos de violência contra a mulher que chegam até as autoridades, a agressão parte de pessoas próximas à vítima. O homicídio passional representa uma grande parcela dessas ocorrências, e é sobre ele que falarei neste texto.

 

O homicídio passional e suas características

Diferentemente de outros criminosos, os homicidas passionais assumem a culpa e não tentam disfarçar a autoria do homicídio. Após defender alguns desses casos, notei que essa não é a única peculiaridade desse tipo de homicida. Eles, geralmente, possuem outras características em comum.

Há dois tipos de homicídios passionais: um motivado por vingança e outro por uma mágoa ou chateação muito grande. O que difere um do outro é justamente a motivação que levou a pessoa a cometer o crime. Enquanto o primeiro sente ódio e quer se vingar de uma traição ou separação, o segundo não nutre qualquer sentimento negativo pela vítima. Muito pelo contrário, ele a idolatra e se sente atordoado pela ideia de perdê-la.

Minha experiência de mais de vinte anos como advogada criminalista me permitiu conhecer a fundo inúmeros casos dessas duas naturezas. Neste artigo gostaria de compartilhar um caso específico do segundo tipo de homicídio passional.

Para preservar a identidade de meu cliente, tratarei dele por Alberto.

 

O caso

Alberto tem aproximadamente 50 anos, tem estatura mediana e trabalha como torneiro mecânico. Casado com Luísa, sempre foi um homem extremamente apaixonado. Ele idolatrava a mulher, a chamava carinhosamente de Luisinha e a via como um ser humano muito superior a ele. Não conseguia entender como uma mulher tão linda e interessante quanto ela poderia se interessar por ele.

Com o tempo, Alberto começou a perceber que a mulher já não lhe dava tanta atenção, e isso o preocupava. Luísa não parecia mais tão alegre ao lado do marido. Ele passou a acreditar que era insuficiente para fazê-la feliz, e a ideia de ter outro homem em seu lugar o enlouquecia.

Muitas vezes chamado de “corno” pelos amigos, ele permitia que a esposa dividisse sua alegria com outras pessoas. A mulher se divertia, frequentava sambas e festas. Vez ou outra, saia com a desculpa de cuidar de uma senhora, mas Alberto sabia que a verdade era outra.

A ideia de perder Luísa foi torturando Alberto aos poucos, até que ele cometeu um ato que refletiu perfeitamente seu desespero. Já em tribunal, o homem descreveu o ocorrido com a voz embargada por um romantismo incomum, mas que caracteriza o homicídio passional.

Nas palavras do réu, Luísa sentou-se em frente à penteadeira e começou a se embelezar como nunca havia feito. O homem ficou fixado pela beleza da própria mulher e, admirando-a pelo espelho, foi se aproximando lentamente. Envolveu o pescoço de Luísa com as mãos e a enforcou, tomando cuidado para que o rosto da esposa não fosse desfigurado. Após a morte da mulher, Alberto deitou-a na cama do casal e ligou para a polícia, admitindo o crime.

O cuidado que Alberto teve até mesmo para matar a esposa é, na realidade, uma característica muito comum de crimes passionais não motivados por ódio ou vingança. Conversando com ele para ter uma noção melhor do caso, chegou a me dizer que a vida de ambos havia acabado no momento em que ele a matou: a da esposa e a dele próprio.

 

A tese de defesa

Alberto foi apresentado ao júri como um assassino frio, que matou a mulher de forma mecânica (ou seja, com as próprias mãos). Além disso, ajeitou o corpo da vítima antes de chamar a polícia. O homem não demonstrou arrependimento e nunca procurou uma defesa.

Ele foi designado a mim pela juíza responsável pelo caso. Meu papel foi procurar minimizar a duração da pena, mostrando ao júri que, ainda que tivesse cometido um crime daquela natureza, Alberto era atormentado por um nível surreal de paixão.

Durante o processo, procurei apresentar ao júri a outra face de Alberto para que pudessem enxergá-lo com outros olhos.

Não se trata de justificar o crime, mas sim mostrar que a motivação importa e deve ser levada em conta na sentença. Meu trabalho enquanto advogada criminalista é garantir que todas as pessoas tenham direito a um julgamento justo, independentemente do que estão sendo acusadas.

 

O veredito

A princípio, o promotor pediu que o crime fosse encaixado somente como hediondo. Após a defesa, a decisão do júri qualificou o homicídio como privilegiado/hediondo, motivado por relevante valor moral. Ou seja, por sentimentos muito fortes e particulares que muitas vezes fogem à nossa compreensão, e não motivado por simples vingança de um homem traído. A hediondez somente permaneceu em relação ao sufocamento da vítima.

Alberto foi condenado à pena de 8 anos em regime fechado. Ele não permitiu que eu apelasse contra o veredito, aceitou e cumpriu sua pena. Ao final, prontificou-se a ser preso no instante em que saiu a sentença, mas seu pedido de prisão só seria protocolado depois. Ele aguardou em casa por dois meses até que foi intimado a comparecer à delegacia para ser recolhido.

Em momento algum, Alberto atribuiu alguma culpa à vítima, diferentemente de outros casos de feminicídio – tipo de homicídio motivado por misoginia, que é aversão ou ódio a mulheres.

A aceitação da condenação e da pena revela ainda mais uma característica do homicídio passional. O réu busca alívio para seu tormento.Para isso, aceita, inclusive, enfrentar as consequências legais de seus atos.

 

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Violência doméstica: terá defesa a mulher que mata o parceiro?

 

Por Jacqueline Prado Valles*

Segundo levantamento do governo federal, a maior parte dos casos de violência contra a mulher é cometida por homens próximos às vítimas, sejam eles parceiros atuais ou ex-companheiros. A taxa de homicídios de mulheres no país, inclusive, é uma das maiores do mundo: 4,4 homicídios para cada 100 mil mulheres.

A violência dentro dos lares, porém, pode ser muito maior do que os números apontam. Isso porque somente uma em cada quatro mulheres brasileiras denunciam seus agressores, de acordo com números oficiais do Human Rights Watch. E quando denunciam, não são raras as situações em que as denúncias dão em nada – dado o acúmulo de processos no Judiciário.

A consequência direta disso é que muitas dessas mulheres, vítimas constantes da violência, acabam fazendo justiça com as próprias mãos.

 

Teria defesa uma mulher que mata o parceiro?

Já defendi alguns casos em que a situação foi exatamente essa, mas um dos que mais me marcaram foi de uma mulher, moradora de um bairro periférico de São Paulo, que assassinou o marido enquanto ele dormia.

O caso ganhou repercussão nacional, mas não pelo crime em si, e sim pelo contexto: o marido a agredia fisicamente praticamente todos os dias e abusava sexualmente da filha mais nova, uma bebê de poucos meses de vida.

A mulher, que será chamada de C. neste artigo para ter sua identidade preservada, fez a denúncia diversas vezes mas nunca foi atendida. Um dia, a polícia recebeu um telefonema de sua casa: era ela, admitindo o crime e colocando-se à disposição das autoridades.

Havia um corpo, motivação e autoria: o suficiente para justificar a prisão. Ela, então, foi presa em flagrante e permaneceu sob custódia do Estado por 23 dias.

A Promotoria Pública, ciente da situação e da lei, ofereceu a possibilidade de enquadrar C. em homicídio privilegiado – condenação com 8 anos de reclusão, uma pena menor em comparação a casos de homicídio qualificado – quando o caso já estivesse em julgamento perante júri popular. Nossa defesa, porém, entendeu que esse acordo não seria justo e decidimos, então, apresentar nossa tese para que os jurados tivessem, assim, uma melhor interpretação do caso.

 

Tese da defesa: omissão do Estado

Nosso principal argumento foi mostrar aos jurados a situação que C. estava vivendo e de que forma o Estado falhou ao não responder às inúmeras denúncias feitas por ela.

Não cabia o argumento de legítima defesa, pois para isso seria necessário que C. estivesse vivenciando um perigo no momento em que cometeu o crime. Não foi o caso: ela esperou o marido dormir para apunhalá-lo – o que, por si só, é tido como crime cruel, em que a vítima é morta sem chance de se defender.

Descrevemos o contexto: C. morava numa casa muito pequena, em um bairro extremamente pobre e afastado da capital paulista, com o marido e seis filhos. Ele era alcóolatra, a agredia fisicamente e abusava sexualmente da filha mais nova. Na casa não havia nenhum celular e o telefone mais próximo ficava a mais de um quilometro de distância – que era a distância que ela precisava percorrer para chamar a polícia e denunciar o marido.

Ela fez isso em mais de uma ocasião, mas a polícia nunca atendeu aos seus chamados.

A omissão do Estado, portanto, era evidente. Se a polícia tivesse agido e prendido o marido, o crime nunca teria acontecido.

Fora isso, também alegamos que C. era ré primária, não representava perigo algum para sociedade e havia, inclusive, entregue-se voluntariamente para as autoridades – o que mostra por si só sua intenção em colaborar com as investigações, com disposição para responder às perguntas e sem tentar fugir das consequências de seus atos.

Diante da situação, o júri optou por inocentar C. das acusações. Hoje ela está bem, recuperando-se e começando uma nova vida.

 

*Artigo escrito por Jacqueline Prado Valles, advogada criminalista com mais de 20 anos de carreira e sócio-proprietária do escritório Valles&Valles – Sociedade de Advogados

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Provas ilícitas: os meios justificam os fins?

 

Por Jacqueline Prado Valles*

 

Por definição, provas ilícitas são provas que foram obtidas de forma ilegal, tanto por parte de quem acusa quanto por parte de quem defende. De acordo com o artigo 157 do Código de Processo Penal, esse tipo de obra é inadmissível em qualquer ação. Veja:

Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. (Redação dada pela Lei nº. 11.690, de 2008).

Um dos casos mais comuns de prova ilícita é o de gravações clandestinas, aquelas em que um ou ambos os interlocutores não sabem que estão sendo gravados. Com exceção de casos envolvendo extorsão ou confissão de culpa, nenhuma gravação pode ser usada como prova se ela não tiver sido previamente autorizada pela Justiça.

Este princípio também está presente em nossa Constituição Federal, no inciso LVI do artigo 5º, que trata dos direitos e garantias fundamentais de todos os brasileiros e brasileiras. Nele, consta que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.

Mas por que? Ao gravar uma pessoa clandestinamente, isto é, sem o conhecimento dela, você está sobrepondo outro direito garantido constitucionalmente: o direito à privacidade. Por essa razão, salvas as exceções mencionadas acima, todas as gravações devem ter autorização judicial para serem usadas posteriormente como prova. Do contrário, é o mesmo que dizer que “os meios justificam os fins”.

 

A gravação de Michel Temer: prova ilícita ou não?

O caso envolvendo o presidente Michel Temer é um bom exemplo disso. Em março, ele foi gravado pelo empresário Joesley Batista, dono da JBS, em uma reunião fora da agenda oficial. Independentemente do que está sendo investigando pela Procuradoria Geral da República, o fato é que, para se gravar uma conversa com o presidente da República sem que ele saiba, é preciso autorização do Superior Tribunal Federal (STF).

Essa autorização nunca existiu. A gravação, muito repercutida pela imprensa e nas redes sociais, por mais reveladora que ela seja, não pode ser usada como prova contra o presidente, pois não foi feita sob o aval da Justiça e não é caso nem de extorsão, nem de confissão de culpa. É, portanto, uma prova ilícita.

Infelizmente, casos como este acontecem mais do que imaginamos. Trata-se da violação de um direito fundamental garantido em Constituição, mas não só isso: representa também a quebra parcial do acordo firmado por países americanos, conhecido como Pacto de São José da Costa Rica.

O tratado foi assinado para garantir que nenhum direito fundamental da pessoa humana fosse desrespeitado, bem como para buscar a consolidação das liberdades individuais e da justiça social em todos os países que o firmaram, a exemplo do Brasil.

É de extrema importância que os meios de comunicação atuem para denunciar quando toda e qualquer violação a direitos for cometida, seja ela contra cidadãos comuns ou contra o próprio presidente da República.

Do contrário, entraremos em uma zona perigosa, na qual os meios justificam os fins e a vaidade de procuradores sobressai-se aos direitos fundamentais dos seres humanos.

 

*Artigo escrito por Jacqueline Prado Valles, advogada criminalista com mais de 20 anos de carreira e sócio-proprietária do escritório Valles&Valles – Sociedade de Advogados

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Ser acusado não é sinônimo de ser culpado

 

Por Jacqueline Prado Valles*

 

Em março de 1994, os donos da Escola de Educação Infantil Base, em São Paulo, e outras quatro pessoas foram acusados de terem abusado sexualmente de crianças durante o horário de aulas.

Diante das acusações e sem a chance de se defenderem, os seis foram julgados e condenados pela opinião pública e por parte dos maiores veículos de comunicação do país.

Quando se descobriu que os acusados eram inocentes, já era tarde demais: a escola fechou, eles perderam os empregos e passaram a viver reclusos da sociedade, sofrendo de doenças como estresse, fobia e até cardiopatias. Mesmo o arquivamento das acusações por falta de provas, um mês após a abertura do inquérito, e o afastamento do delegado por conduta imprópria, não foram suficientes para que os acusados pudessem voltar à rotina.

Isso acontece porque, quando se trata da cobertura de crimes, a imprensa não dá a mesma atenção aos acusados que dá àqueles que os acusam. Os grandes veículos, inclusive, são muitas vezes usados para noticiar informações vazadas de processos sigilosos pelos próprios procuradores, delegados e demais integrantes do Ministério Público. Nós vemos isso em todas as instâncias: dos processos envolvendo cidadãos comuns até os que envolvem políticos com foro privilegiado.

Não é raro nos depararmos no noticiário com vazamentos de listas sigilosas, como os que têm acontecido recentemente nas investigações da Operação Lava Jato. Por isso, a aprovação do projeto que modifica a lei dos crimes de abuso de autoridade, no dia 26 de abril, é um passo adiante para impedir que esse tipo de informação seja divulgado à imprensa.

Uma das emendas feitas ao projeto que atualiza a lei nº 4.898/65 prevê penas mais severas a quem promover, permitir ou facilitar a divulgação de informações sob segredo de Justiça. São previstos de dois a quatro anos de prisão e pagamento de multa, ante às punições administrativas e reclusão de no mínimo seis meses já previstas na atual legislação.

Na avaliação de muitos especialistas e criminalistas, a imprensa muitas vezes se vale do direito à informação para noticiar fatos que ainda estão em fase de investigação. O discurso adotado pelos veículos, porém, não permite às pessoas terem acesso à informação completa, uma vez que a parte que acusa tem muito mais destaque do que a parte acusada.

Foi justamente o que aconteceu no episódio que, mais tarde, ficou conhecido como Caso Escola Base. Aqueles que foram injustamente acusados entraram com ações contra os principais veículos de comunicação que inflamaram a opinião pública sem esperar o término das investigações. Em 2012, a Rede Globo foi condenada a pagar R$1,35 milhão em indenizações, mas muitos processos ainda não foram concluídos.

O direito ao esquecimento

Muitos representantes da imprensa também se valem do direito à informação para resgatar do baú crimes históricos que estamparam manchetes de jornais na época em que aconteceram.

É o caso da cachina da Candelária, em 1993, e também do assassinato de Aída Curi, em 1958. Em ambos, a TV Globo preparou reportagens especiais que relembravam os acontecimentos, investigações e também a repercussão que os crimes tiveram na imprensa.

No caso da Candelária, um dos acusados – posteriormente absolvido – entrou com uma ação de indenização, alegando que a emissora causou danos à sua honra ao veicular a reportagem em que o coloca como um dos acusados da chacina, mesmo ele tendo sido inocentado pela Justiça depois.

Já no caso de Aída Curi, a ação foi movida por sua família, que não gostaria que a história fosse revivida por já terem se passado muitos anos, e também por não querer reviver sentimentos de dor e angústia decorrentes da reportagem.

As duas ações foram encaminhadas ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ), que, por unanimidade, decidiu que o direito à informação não pode se sobressair ao chamado direito ao esquecimento – isto é, o direito que as pessoas têm de serem esquecidas pela opinião pública e até mesmo pela imprensa.

Esse direito é válido tanto para quem foi condenado quanto por quem foi absolvido em acusações de crimes específicos, já que ninguém é obrigado a conviver com um erro que cometeu para sempre.

A decisão do STJ obrigou a Globo a pagar R$50 mil, um valor indenizatório baixo, porém simbólico, já que foi a primeira vez em que a Justiça usou o direito ao esquecimento em benefício de quem moveu a ação.

Dos casos em que a imprensa condenou acusados antes de eles terem sido julgados e condenados pela Justiça, fica a lição de que a prática jornalística deve se permear da ética e fidelidade aos fatos – e que a liberdade de expressão e o direito à informação devem ser respeitados, mas desde que não atinjam a honra das partes envolvidas, e desde que toda a informação seja veiculada, sem restringir um dos lados envolvidos na história.

*Artigo escrito por Jacqueline Prado Valles, advogada criminalista com mais de 20 anos de carreira e sócio-proprietária do escritório Valles&Valles – Sociedade de Advogados

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Prender é a melhor solução para crimes do colarinho branco?

 

Por Jacqueline Prado Valles*

 

Não é novidade para ninguém que os acontecimentos políticos no Brasil passaram a estampar mais manchetes do noticiário policial de uns tempos para cá do que qualquer outro tema. Tratam-se dos chamados crimes do colarinho branco, que são aqueles cometidos por engravatados que gozam de prestígio social e ganham altos salários.

Os crimes contra o erário, isto é, contra o dinheiro público arrecadado pelos impostos dos contribuintes, são um ótimo exemplo de “crime do colarinho branco”.

E não se engane: crimes dessa natureza acontecem no mundo inteiro, e o Brasil não poderia ser uma exceção a isso. O problema está em nosso contexto socioeconômico: o brasileiro trabalha cinco meses do ano somente para pagar imposto e praticamente não vê retorno disso no seu dia a dia. Em contrapartida, esse repasse não resolve os problemas de muitos dos setores administrados pelo Estado: a saúde pública é deficiente, a educação é de má qualidade e por aí vai.

Por isso, toda vez que um novo escândalo de corrupção pipoca na mídia – o que tem acontecido com relativa frequência –, a revolta é generalizada. A primeira reação das pessoas é o desejo de vingança, de quererem que o criminoso do colarinho branco tenha o mesmo destino de todos os outros criminosos: a cadeia. Para muitos, se pudesse jogar a chave fora, seria melhor ainda.

Mas aqui entra uma questão, a meu ver, muito mais relevante do que a vontade de ver um político ladrão atrás das grades: a eficácia do encarceramento para crimes contra o erário e a economia popular.

Quando um juiz estabelece uma pena para alguém que cometeu um crime, ele está dizendo o seguinte: “você vai para a prisão por um tempo, vai cumprir sua pena, e quando acabar, você poderá voltar à sociedade apto a ter uma nova vida”. A pena no Brasil, portanto, serve tanto para punir quanto para ressocializar o indivíduo que cometeu uma infração ou um crime.

Da mesma forma, você retira um indivíduo da sociedade porque, em tese, ele representa um perigo. Dentro da prisão, ele está sendo punido pelo que fez ao mesmo tempo em que vai, aos poucos, se reintegrando à sociedade até que possa ser liberado definitivamente.

Então agora eu lhes pergunto: um criminoso do colarinho branco precisa da ressocialização?

 

É preciso distinguir o tipo de perigo que pessoas que cometeram crimes diferentes representam para a sociedade. Além disso, é preciso que nós saibamos exatamente qual a medida mais eficaz para impedir a reincidência de um determinado crime.

Prender um político ou empresário e soltá-lo depois produz tanto resultado quanto deixá-lo solto de uma vez, porque a arma que ele usa para cometer o crime não é o revólver, e sim o dinheiro.

Não seria mais benéfico – e até mais lucrativo – obrigá-lo a devolver o dinheiro surrupiado dos cofres públicos e, de quebra, ainda fazê-lo pagar uma indenização, em vez de colocá-lo dentro de uma cela? Quem nos garante que depois de solto, com a mesma influência e o dinheiro que tinha antes, ele não voltará a cometer o mesmo crime?

Mas a pressão da mídia e da própria sociedade fazem com que os casos de corrupção se tornem, de fato, os escândalos que vemos por aí. E as autoridades acabam indo pelo mesmo caminho, optando pela espetacularização das investigações.

Um caso muito recente, para não citar a Lava Jato, é a Operação Carne Fraca – definida pela Polícia Federal como a maior operação da história. Ela envolveu mais de mil policiais, prendeu dezenas de pessoas instantes depois de ser deflagrada e investigou algumas das maiores empresas do setor de carne no Brasil. O caso ganhou repercussão internacional e comprometeu as nossas relações comerciais com vários países importadores de carne – o que pode causar um prejuízo sem precedentes para a economia.

Chegou a hora de avaliarmos se as medidas tomadas atualmente para combater os crimes do colarinho branco são realmente efetivas ou se precisamos aprender, de uma vez por todas, a diferença entre justiça e vingança na hora de aplicar a lei.

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Como é ser mulher e advogada dentro do direito criminal?

 

Por Jacqueline Prado Valles*

 

No ano passado, o conselho federal da OAB determinou que 2016 seria o Ano da Mulher Advogada. Hoje, segundo o órgão, nós correspondemos a 48% do total de advogados registrados no país – um número muito maior do que o de dez anos atrás, por exemplo. A maioria, porém, não está no direito criminal, uma área da advocacia que ainda é predominantemente masculina.

O motivo é que ainda é comum associar a mulher às ideias do “sexo frágil” e a de não ter o “culhão” necessário para defender acusados de homicídios, latrocínios e até mesmo estupros, já que é isso que o advogado criminalista faz: defende aqueles que a sociedade muitas vezes considera como “indefensáveis”. Segundo a Constituição e o Código de Processo Penal, no entanto, todas as pessoas têm direito à ampla defesa, mesmo aqueles que tenham praticado crimes hediondos. É dever do advogado criminalista garantir que todos os direitos do réu sejam resguardados, e não necessariamente encontrar uma forma de inocentá-lo.

Por isso, muitos consideram o direito penal uma área perigosa demais para as mulheres, ou veem as delegacias e presídios como ambientes muito hostis. Outros acham que, por sermos mulheres, somos vistas com desconfiança por juízes e por réus, como se fôssemos menos capazes de fazer uma defesa adequada. Não nego que isso possa acontecer, mas o que eu presenciei nos 23 anos em que atuo na área não foram olhares de menosprezo, e sim de interesse.

Afinal, vamos concordar que uma mulher representando um acusado de estupro é, no mínimo, bastante curioso. As pessoas se interessam pelo que nós temos a dizer em defesa do réu. “Algum bom argumento ela há de ter para defender esse tipo de criminoso”, devem pensar.

Até mesmo dentro dos presídios, o tratamento dado a mulheres é muito diferente do que se imagina. Com exceção das visitas, que frequentemente passam por revistas vexatórias, as mulheres, especialmente mães e advogadas, são muito mais respeitadas dentro da prisão do que fora dela. Se na rua muitas de nós têm de aguentar o assédio verbal e até mesmo físico, dentro da cadeia o preso olha para o chão enquanto você passa em sinal de respeito.

 

mulher no direito criminal
Hoje, as mulheres correspondem a 48% do total de advogados registrados no pais (Foto: Shutterstock)

 

Nunca sofri qualquer tipo de maus tratos dentro de um presídio, ainda que em 1994, quando comecei minha carreira no direito penal, houvesse muito mais resistência do que há hoje. Essa ideia de que advogado criminalista tem que ser “durão” não combinava com a imagem que a sociedade fazia das mulheres.

Hoje, porém, isso mudou bastante. Sabe-se que a relação entre advogado criminalista e réu deve ter uma proximidade maior, justamente porque você está lidando com os sentimentos do defendido. Ainda que haja a distância natural entre advogado e cliente, muitos preferem ser representados por mulheres, pois veem advogados homens como práticos ou teóricos demais.

A mulher, como costumam dizer por aí, prende-se aos detalhes, é mais cuidadosa e dá mais atenção às emoções de seus clientes. De certa forma, acabam passando mais confiança do que colegas do sexo masculino, a ponto de muitos presos tratarem suas advogadas como se fossem suas “segundas mães”.

Outro motivo para se prezar tanto pelo respeito à mulher dentro do presídio já é um pouco mais pragmático: é preciso tornar a prisão um ambiente minimamente respeitável para que mulheres fiquem confortáveis para ir e voltar sempre que necessário.

É inadmissível, por exemplo, que o preso vá encontrar sua advogada sem estar com a barba feita e os dentes escovados, por exemplo. Falar palavrão? Nem pensar. E essas são regras que eles próprios definiram, porque, afinal de contas, ter uma boa representação é do interesse de todos, mas principalmente de quem está preso aguardando julgamento.

Essa realidade dentro dos presídios, no entanto, nem passa pela cabeça das pessoas. Até mesmo nas faculdades de Direito é difícil encontrar uma estudante que esteja realmente disposta a atuar na advocacia criminal. Muitas flertam com a ideia, mas são poucas as que continuam.

Sem dúvida, é um desafio. Mostrar autoridade, ganhar o respeito dos colegas de profissão e fazer um bom trabalho é muito mais difícil em uma área que ainda é predominada por homens, mas quanto mais mulheres estiverem na área, mais rápido esse desafio vai se tornando mais fácil de ser superado.

 

*Artigo escrito por Jacqueline Prado Valles, advogada criminalista com mais de 20 anos de carreira e sócio-proprietária do escritório Valles&Valles – Sociedade de Advogados

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Celso de Mello não cometeu abuso de autoridade

*Materia publicada originalmente no Portal Estadão

O presidente Jair Bolsonaro usou as redes sociais para sugerir que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello teria cometido abuso de autoridade ao autorizar a divulgação de trechos do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, na qual o chefe do Executivo dá declarações nada republicanas, para dizer o mínimo, sobre a interferência que fará para garantir a segurança da sua família e amigos.

Mello é o ministro relator responsável pela tramitação da investigação instaurada pela Procuradoria Geral da República (PGR) para apurar as denúncias do ex-ministro Sergio Moro de que o presidente mudou a direção da Polícia Federal para obter informações privilegiadas sobre investigações que miram sua família. Entre as suas funções estão solicitar gravações, quebras de sigilo e convocar testemunhas para depoimentos.

A divulgação dos trechos é de extrema importância para que as pessoas tomem conhecimento do que está sendo investigado. E, ao contrário do artigo 28 citado pelo presidente como argumento para querer fazer crer que o decano cometeu abuso de autoridade, a liberação das imagens tem relação direta com a prova que se pretende produzir no inquérito.

O artigo 28 da Lei de Abuso de Autoridade condena a divulgação de gravações que não tenham relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada ou ferindo a honra ou a imagem do investigado.

Com a liberação, Celso de Mello dá publicidade às provas necessárias para materializar a denúncia feita por Moro. Em nenhum momento o decano feriu o direito à privacidade de qualquer um dos agentes que aparecem no vídeo: trata-se de uma reunião oficial, para discutir assuntos oficiais e com troca de informações oficiais. Apesar do festival de palavrões e impropérios, ali ninguém estava em um momento de intimidade da sua vida privada.

Também não se sustenta o pseudoargumento de que há suspeição nas ações do ministro Celso de Mello. A suspeição se configura quando as partes têm algum tipo de relacionamento íntimo de amor ou ódio e assim se declaram publicamente. Ora, o ministro nunca manifestou apreço ou aversão à figura do presidente. Ocorre justamente o contrário: o presidente se manifestou diversas vezes contra todos os ministros da corte suprema.

*Jacqueline Valles é advogada Mestre em Direito Penal, especializada em Processo Penal e Criminologia, professora universitária e sócia-diretora da Valles e Valles.

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Estados e municípios podem definir serviços essenciais, dizem juristas

*Artigo publicado no Portal R7 com comentários da Dra Jaqueline Valles

Decisão do STF e lei excepcional em vigor durante a pandemia da covid-19 autorizam de governadores e prefeitos na adoção de medidas restritivas

Os Estados e municípios têm prerrogativa para decretar medidas de saúde e, desta forma, podem decidir se acatam ou rejeitam o decreto do presidente da República  que inclui academias, salões de beleza e barbearias no rol de serviços essenciais durante a pandemia do novo coronavírus, de acordo com a avaliação de juristas.

Os governadores e prefeitos entendem que a quarentena é importante para evitar mortes e que também facilitará a retomada econômica. Em São Paulo, João Doria (PSDB) deve definir nesta quarta-feira (13) o posicionamento do Estado sobre a decisão do governo federal. O prefeito da capital paulista, Bruno Covas (PSDB), também deverá anunciar a sua decisão no mesmo dia.

Para os especialistas, os chefes do Executivo estaduais e municipais estão amparados em uma decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes pela qual, “em momentos de crise, o fortalecimento da união e a ampliação de cooperação entre os três poderes, no âmbito de todos os entes federativos, são instrumentos essenciais e imprescindíveis a serem utilizados pelas diversas lideranças em defesa do interesse público”.

Outro ponto favorável à autonomia das gestões estaduais e municipais é o texto da Lei 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, uma legislação em caráter excepcional que dispõe sobre as medidas que poderão ser adotadas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do surto da covid-19.

A jurista e advogada especializada em Direito Penal e Criminologia Jacqueline Valles ressaltou que a competência – entre Estados, municípios e União – é concorrente e, neste tema, há igualdade entre as esferas de poder.

“Tem o interesse na sociedade local. Diante disso, não há consequências jurídicas em supostamente não obedecer a União. Os governadores e prefeitos estão amparados para lidar com o problema que está ocorrendo naquele momento em sua cidade, independente de o presidente coordenar de alguma outra forma”, analisou Jacqueline Valles.

Assim, os juristas entendem que eventuais decisões favoráveis aos possíveis pedidos de empresários dos setores em liminares podem ser cassadas e quem se sentir prejudicado ( Estados, municípios ou lojistas) poderá recorrer.

“A adoção ou não do decreto presidencial que ampliou os serviços essenciais pelos Estados da federação poderão ser questionados em sede de Mandado de Seguranca”, acrescentou a juíza de Direito Ivana David.

“Na verdade, municípios e Estados podem decidir o que abre e o que fecha, em sentido oposto [ao decreto presidencial]”, ratificou o coordenador do curso de especialização em Direito Constitucional da PUC-SP, Luiz Guilherme Arcaro Conci.

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Fake news: a desinformação que coloca vidas em risco

*Artigo postado originalmente no Portal Estadão

* Artigo atualizado às 21h30 deste sábado, 9, com a manifestação da deputada Carla Zambelli.

Em uma época delicada como a que vivemos, notícias falsas podem ter um impacto desastroso na saúde pública e agravar ainda mais a epidemia de coronavírus que colocou o Brasil, nesta semana, no epicentro da crise mundial. Com quase 9 mil mortos e mais de 126 mil contaminados, as chamadas fake news têm o poder de ajudar a propagar o vírus e causar pânico.

Casos recentes de irresponsabilidade chegaram à mídia e viraram alvo de investigações na Polícia Civil. No início de abril, o presidente da República compartilhou um vídeo com informação falsa sobre uma suposta falta de alimentos na Ceasa de Belo Horizonte. A própria instituição negou as informações passadas em vídeo e a imprensa constatou a situação de normalidade.

Mas milhões de pessoas já tinham acessado o vídeo, o que poderia ter provocado uma corrida desnecessária aos mercados, amplificando a exposição ao vírus em plena pandemia e provocando desabastecimento de verdade.

PF tem obrigação de investigar denúncias de Moro sobre Bolsonaro

Há poucos dias, uma mulher gravou um vídeo informando que autoridades estariam enterrando caixões com pedras no lugar de corpos para fraudar o número de mortos pela covid-19. O material foi divulgado pela deputada Carla Zambelli (PSL-SP) e viralizou nas redes sociais. Dias depois, a imprensa noticiou casos de familiares abrindo caixões em Manaus e no Pará para se certificarem de que seus entes queridos estavam realmente ali. A prática, que viola todas as regras sanitárias possíveis e imagináveis, expõe dezenas de pessoas ao vírus. Notícia falsa mata!

Os dois casos estão sendo investigados pela Polícia Civil de Minas Gerais, que já identificou os autores. Aliás, a mulher que mentiu sobre os caixões vazios gravou um vídeo se desculpando pelo que fez, mas o estrago já estava feito. Apesar da criação e divulgação de fake news não ser criminalizada, o Código Penal tem artigos para punir a conduta.

Em um momento em que o assunto ganha até uma CPI para investigar o disparo de notícias falsas durante as eleições e projetos de lei para criminalizar a prática, é preciso deixar bem claro para as pessoas que a internet não é uma terra sem lei. Mesmo que não haja um artigo específico para as fake news, a produção e divulgação de notícias falsas pode ser enquadrada em vários tipos penais, como denunciação caluniosa, difamação (se houver a citação contra uma pessoa específica) e na contravenção penal de propagação de pânico.

A maior dificuldade em punir a prática é provar o dolo, a intenção de causar pânico ou destruir a reputação de alguém, por exemplo. Por isso, a investigação é fundamental para coibir a disseminação dessas notícias, mesmo sem uma lei específica. E, no momento delicado em que vivemos, frear o ímpeto das fake news pode fazer a diferença entre a vida e a morte.

*Jacqueline Valles é advogada Mestre em Direito Penal, especializada em Processo Penal e Criminologia, professora universitária e sócia-diretora da Valles e Valles

COM A PALAVRA, DEPUTADA CARLA ZAMBELLI

A respeito de notícia divulgada pelo jornal O Estado de S. Paulo neste sábado (9), a assessoria da deputada federal Carla Zambelli esclarece que:

– Em momento algum a parlamentar divulgou vídeo sobre caixões com pedras. A deputada Carla Zambelli falou sobre duas imagens enviadas por dois cidadãos que denunciaram o suposto enterro com caixões vazios.

– Carla Zambelli nunca recomendou a qualquer pessoa que abra algum caixão, mesmo porque a suspeita inicial era de números inflados por Estados opositores ao governo, não de corpos desviados.

– O fato da imprensa repetir com frequência a denúncia feita pela deputada tem colaborado ainda mais para a criação de ideias na população de que acontecem esses supostos problemas de caixões vazios ou cheios de algum objeto.

– A deputada reafirma sua imunidade parlamentar garantida pela Constituição Federal para que denúncias sejam feitas para a devida apuração e solução, sem qualquer preocupação de retaliação política.