Ser acusado não é sinônimo de ser culpado

 

Por Jacqueline Prado Valles*

 

Em março de 1994, os donos da Escola de Educação Infantil Base, em São Paulo, e outras quatro pessoas foram acusados de terem abusado sexualmente de crianças durante o horário de aulas.

Diante das acusações e sem a chance de se defenderem, os seis foram julgados e condenados pela opinião pública e por parte dos maiores veículos de comunicação do país.

Quando se descobriu que os acusados eram inocentes, já era tarde demais: a escola fechou, eles perderam os empregos e passaram a viver reclusos da sociedade, sofrendo de doenças como estresse, fobia e até cardiopatias. Mesmo o arquivamento das acusações por falta de provas, um mês após a abertura do inquérito, e o afastamento do delegado por conduta imprópria, não foram suficientes para que os acusados pudessem voltar à rotina.

Isso acontece porque, quando se trata da cobertura de crimes, a imprensa não dá a mesma atenção aos acusados que dá àqueles que os acusam. Os grandes veículos, inclusive, são muitas vezes usados para noticiar informações vazadas de processos sigilosos pelos próprios procuradores, delegados e demais integrantes do Ministério Público. Nós vemos isso em todas as instâncias: dos processos envolvendo cidadãos comuns até os que envolvem políticos com foro privilegiado.

Não é raro nos depararmos no noticiário com vazamentos de listas sigilosas, como os que têm acontecido recentemente nas investigações da Operação Lava Jato. Por isso, a aprovação do projeto que modifica a lei dos crimes de abuso de autoridade, no dia 26 de abril, é um passo adiante para impedir que esse tipo de informação seja divulgado à imprensa.

Uma das emendas feitas ao projeto que atualiza a lei nº 4.898/65 prevê penas mais severas a quem promover, permitir ou facilitar a divulgação de informações sob segredo de Justiça. São previstos de dois a quatro anos de prisão e pagamento de multa, ante às punições administrativas e reclusão de no mínimo seis meses já previstas na atual legislação.

Na avaliação de muitos especialistas e criminalistas, a imprensa muitas vezes se vale do direito à informação para noticiar fatos que ainda estão em fase de investigação. O discurso adotado pelos veículos, porém, não permite às pessoas terem acesso à informação completa, uma vez que a parte que acusa tem muito mais destaque do que a parte acusada.

Foi justamente o que aconteceu no episódio que, mais tarde, ficou conhecido como Caso Escola Base. Aqueles que foram injustamente acusados entraram com ações contra os principais veículos de comunicação que inflamaram a opinião pública sem esperar o término das investigações. Em 2012, a Rede Globo foi condenada a pagar R$1,35 milhão em indenizações, mas muitos processos ainda não foram concluídos.

O direito ao esquecimento

Muitos representantes da imprensa também se valem do direito à informação para resgatar do baú crimes históricos que estamparam manchetes de jornais na época em que aconteceram.

É o caso da cachina da Candelária, em 1993, e também do assassinato de Aída Curi, em 1958. Em ambos, a TV Globo preparou reportagens especiais que relembravam os acontecimentos, investigações e também a repercussão que os crimes tiveram na imprensa.

No caso da Candelária, um dos acusados – posteriormente absolvido – entrou com uma ação de indenização, alegando que a emissora causou danos à sua honra ao veicular a reportagem em que o coloca como um dos acusados da chacina, mesmo ele tendo sido inocentado pela Justiça depois.

Já no caso de Aída Curi, a ação foi movida por sua família, que não gostaria que a história fosse revivida por já terem se passado muitos anos, e também por não querer reviver sentimentos de dor e angústia decorrentes da reportagem.

As duas ações foram encaminhadas ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ), que, por unanimidade, decidiu que o direito à informação não pode se sobressair ao chamado direito ao esquecimento – isto é, o direito que as pessoas têm de serem esquecidas pela opinião pública e até mesmo pela imprensa.

Esse direito é válido tanto para quem foi condenado quanto por quem foi absolvido em acusações de crimes específicos, já que ninguém é obrigado a conviver com um erro que cometeu para sempre.

A decisão do STJ obrigou a Globo a pagar R$50 mil, um valor indenizatório baixo, porém simbólico, já que foi a primeira vez em que a Justiça usou o direito ao esquecimento em benefício de quem moveu a ação.

Dos casos em que a imprensa condenou acusados antes de eles terem sido julgados e condenados pela Justiça, fica a lição de que a prática jornalística deve se permear da ética e fidelidade aos fatos – e que a liberdade de expressão e o direito à informação devem ser respeitados, mas desde que não atinjam a honra das partes envolvidas, e desde que toda a informação seja veiculada, sem restringir um dos lados envolvidos na história.

*Artigo escrito por Jacqueline Prado Valles, advogada criminalista com mais de 20 anos de carreira e sócio-proprietária do escritório Valles&Valles – Sociedade de Advogados

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