Por Jacqueline Prado Valles*
No ano passado, o conselho federal da OAB determinou que 2016 seria o Ano da Mulher Advogada. Hoje, segundo o órgão, nós correspondemos a 48% do total de advogados registrados no país – um número muito maior do que o de dez anos atrás, por exemplo. A maioria, porém, não está no direito criminal, uma área da advocacia que ainda é predominantemente masculina.
O motivo é que ainda é comum associar a mulher às ideias do “sexo frágil” e a de não ter o “culhão” necessário para defender acusados de homicídios, latrocínios e até mesmo estupros, já que é isso que o advogado criminalista faz: defende aqueles que a sociedade muitas vezes considera como “indefensáveis”. Segundo a Constituição e o Código de Processo Penal, no entanto, todas as pessoas têm direito à ampla defesa, mesmo aqueles que tenham praticado crimes hediondos. É dever do advogado criminalista garantir que todos os direitos do réu sejam resguardados, e não necessariamente encontrar uma forma de inocentá-lo.
Por isso, muitos consideram o direito penal uma área perigosa demais para as mulheres, ou veem as delegacias e presídios como ambientes muito hostis. Outros acham que, por sermos mulheres, somos vistas com desconfiança por juízes e por réus, como se fôssemos menos capazes de fazer uma defesa adequada. Não nego que isso possa acontecer, mas o que eu presenciei nos 23 anos em que atuo na área não foram olhares de menosprezo, e sim de interesse.
Afinal, vamos concordar que uma mulher representando um acusado de estupro é, no mínimo, bastante curioso. As pessoas se interessam pelo que nós temos a dizer em defesa do réu. “Algum bom argumento ela há de ter para defender esse tipo de criminoso”, devem pensar.
Até mesmo dentro dos presídios, o tratamento dado a mulheres é muito diferente do que se imagina. Com exceção das visitas, que frequentemente passam por revistas vexatórias, as mulheres, especialmente mães e advogadas, são muito mais respeitadas dentro da prisão do que fora dela. Se na rua muitas de nós têm de aguentar o assédio verbal e até mesmo físico, dentro da cadeia o preso olha para o chão enquanto você passa em sinal de respeito.
Nunca sofri qualquer tipo de maus tratos dentro de um presídio, ainda que em 1994, quando comecei minha carreira no direito penal, houvesse muito mais resistência do que há hoje. Essa ideia de que advogado criminalista tem que ser “durão” não combinava com a imagem que a sociedade fazia das mulheres.
Hoje, porém, isso mudou bastante. Sabe-se que a relação entre advogado criminalista e réu deve ter uma proximidade maior, justamente porque você está lidando com os sentimentos do defendido. Ainda que haja a distância natural entre advogado e cliente, muitos preferem ser representados por mulheres, pois veem advogados homens como práticos ou teóricos demais.
A mulher, como costumam dizer por aí, prende-se aos detalhes, é mais cuidadosa e dá mais atenção às emoções de seus clientes. De certa forma, acabam passando mais confiança do que colegas do sexo masculino, a ponto de muitos presos tratarem suas advogadas como se fossem suas “segundas mães”.
Outro motivo para se prezar tanto pelo respeito à mulher dentro do presídio já é um pouco mais pragmático: é preciso tornar a prisão um ambiente minimamente respeitável para que mulheres fiquem confortáveis para ir e voltar sempre que necessário.
É inadmissível, por exemplo, que o preso vá encontrar sua advogada sem estar com a barba feita e os dentes escovados, por exemplo. Falar palavrão? Nem pensar. E essas são regras que eles próprios definiram, porque, afinal de contas, ter uma boa representação é do interesse de todos, mas principalmente de quem está preso aguardando julgamento.
Essa realidade dentro dos presídios, no entanto, nem passa pela cabeça das pessoas. Até mesmo nas faculdades de Direito é difícil encontrar uma estudante que esteja realmente disposta a atuar na advocacia criminal. Muitas flertam com a ideia, mas são poucas as que continuam.
Sem dúvida, é um desafio. Mostrar autoridade, ganhar o respeito dos colegas de profissão e fazer um bom trabalho é muito mais difícil em uma área que ainda é predominada por homens, mas quanto mais mulheres estiverem na área, mais rápido esse desafio vai se tornando mais fácil de ser superado.
*Artigo escrito por Jacqueline Prado Valles, advogada criminalista com mais de 20 anos de carreira e sócio-proprietária do escritório Valles&Valles – Sociedade de Advogados