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Decretação de prisão preventiva é individual e não muda com nova posição do STF

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Criminalistas veem caso Bendine como ‘divisor de águas na Lava Jato’

*Materia publicada originalmente no Portal Estadão

A decisão da 2ª Turma do STF (Supremo Tribunal Federal), que atendeu a um pedido da defesa de Aldemir Bendine, ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobras, e tornou sem efeito sua condenação em primeira instância, amplia a possibilidade de prescrição de crimes e outras anulações em casos relacionados à Operação Lava Jato. Essa é a avaliação de advogados criminalistas. Eles concordam com os argumentos apresentados pelos ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia no julgamento desta terça-feira (27).

Para os magistrados, o processo de Bendine não seguiu todas as etapas previstas em lei, já que o réu teve o mesmo tempo que seus delatores da Odebrecht para apresentar suas alegações, quando o correto seria, segundo eles, se manifestar por último, após todas as exposições.

Bendine chegou a ser preso em julho de 2017, mas foi solto em abril deste ano. Ele foi condenado pelo então juiz Sergio Moro a 11 anos de prisão pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Sua pena chegou a ser reduzida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, para 7 anos e 9 meses.

Daniel Gerber, criminalista e mestre em Direito Penal e Processual Penal, destaca que o acusado somente é instado a se pronunciar, seja em interrogatório, seja em alegações finais, após todas as acusações contra si estarem no processo. “Coube à Suprema Corte a readequação constitucional e adequada de um equívoco lamentável ocorrido em sede de instrução processual. Resta claro também que essa readequação atinge todo e qualquer procedimento que tenha incorrido no mesmo equívoco”, diz.

Fernando Castelo Branco, criminalista e professor da pós-graduação da Escola de Direito de Brasil (EDB), discorda da tese defendida por procuradores de que a anulação represente uma derrota da Lava Jato.

“Eu não acredito que a decisão do STF que ocorreu ontem tenha significado um abalo na Lava Jato e nas investigações. Ou ainda que tenha aumentado a sensação de impunidade. Acredito que o caráter alarmista nesse caso é profundamente equivocado”, avalia.

Castelo Branco complementa que o Supremo apenas fez uma correção do processo. “Houve uma detecção de uma falha grave no momento da instrução do processo ainda em primeiro grau. Ou seja, o juiz de primeiro grau deveria ter analisado com cautela que a ordem da apresentação das defesas por parte dos acusados e delatores deveria ser: primeiro a defesa dos delatores por escrito e só depois as respectivas defesas dos acusados. Na ciência do Direito, a decisão do STF é absolutamente correta e adequada”.

Adib Abdouni, advogado criminalista e constitucionalista, defende a diferenciação de prazos processuais entre delatores e delatados. “A abertura de prazo simultâneo para a apresentação de alegações finais sem distinção entre delatores e delatados incorre em grave violação aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa”.

Abdouni conclui que a repetição desse procedimento nos demais processos da Lava Jato levará a novas anulações, “confirmando que o STF ainda continua sendo o último refúgio de justiça do cidadão, seja ele quem for”.

Daniel Bialski, criminalista especializado em Direito Penal e Processual Penal, ressalta que a ampla defesa do contraditório é “princípio sagrado da Constituição”. “Sem dúvida, os delatores têm que se manifestar antes da defesa dos acusados delatados, justamente, para que tenham a oportunidade de rebater o que esses delatores mencionaram, seja em interrogatórios ou em alegações finais”, diz.

Ainda de acordo com Bialski, todos os processos em que delatores apresentaram alegações ao mesmo tempo que os acusados deverão ser anulados.

João Paulo Martinelli, criminalista e professor da pós-graduação da Escola de Direito do Brasil (EDB), entende que a decisão pode ser usada como jurisprudência. “Em tese, todos que foram delatados e condenados e tiveram o mesmo prazo para alegações finais que os delatores poderão pedir extensão dos efeitos dessa decisão”.

Para Sylvia Urquiza, especialista em Direito Penal e sócia do Urquiza, Pimentel e Fonti Advogados, trata-se de um “divisor de águas” na Lava Jato. “É direito dos réus ter conhecimento de todas as razões de acusação antes de apresentar as suas razões de defesa. Não fosse assim, o réu ficaria ‘vendido’ no processo, face à impossibilidade de poder contestar todos os motivos pelos quais a acusação pede sua condenação. Equivaleria a tentar se defender do desconhecido, uma verdadeira situação kafkiana”, diz.

Sylvia também vê a possibilidade de repercussão da decisão, mas essa só poderá ser aplicada a casos em que o prazo das alegações finais foi dado em conjunto a réus e colaboradores. “Não adianta atropelar o processo para limitar a defesa e ganhar eventualmente 10 ou 15 dias. Fica a lição”, conclui.

Everton Moreira Seguro, especialista em Direito Penal do Peixoto & Cury Advogados, classifica como “totalmente positiva” a decisão do STF, já que acaba regulamentando uma questão que não há no Código de Processo Penal: sobre quem apresentará primeiro suas alegações finais, se delatores ou deletados. “O delator, na condição de acusador, teria que falar primeiro ao ponto que o delatado, teria que falar por último, como bem foi reconhecido pelos ministros. Essa decisão poderá acarretar com certeza a nulidade de outras decisões proferidas em casos similares que não respeitaram esta ordem processual”.

Márcio Casado, sócio do Márcio Casado & Advogados, também concorda que a decisão do STF pode anular outras sentenças em que não se respeitou o devido processo legal. “A questão é constitucional. O réu tem que ser o último a falar. E os delatores não são propriamente réus”.

“Agiu certo a 2ª turma do STF ao anular a sentença que condenou em primeira instância Aldemir Bandine. Os delatores e os delatados não ocupam a mesma posição no processo penal. O processo penal é na essência garantias em favor do réu. Ao não permitir que se manifeste ao final da instrução, a par de todas as provas produzidas nos autos, é clara a afronta ao princípio constitucional da ampla defesa. O fato de não haver previsão expressa na regulamentação das delações não serve de argumento para se ver suprimida uma garantia constitucional do acusado”, afirma Anna Júlia Menezes, especialista em direito e processo penal da Vilela, Silva Gomes & Miranda Advogados.

“Importante e interessante o reconhecimento por parte do STF de que os delatores, por mais que sejam réus, devem manifestar-se antes das defesas dos demais; tendo em vista o viés acusatório de sua argumentação. Em obediência ao princípio básico da ampla defesa e do contraditório, segundo os quais a defesa deve ter oportunidade de contraditar todos os pontos lançados em teor acusatório, o que é usual, seja do próprio acusador, seja do delator”, diz Miguel Pereira Neto, advogado criminalista.

A advogada Jacqueline Valles, especialista em Direito Penal e Criminologia, avalia que a decisão da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), é acertada e atende ao princípio constitucional de direito à ampla defesa.

A advogada explica que o princípio à ampla defesa e ao contraditório foi desrespeitado quando a Bendine foi negado o direito de se defender das acusações do delator do processo que surgiram após o seu depoimento e apresentação da sua defesa.

A advogada acrescenta que a decisão do STF não anula o processo penal, que voltará à primeira instância da Justiça para a concessão do direito de defesa do acusado e para nova sentença. “Não significa que toda ação penal foi anulada. O que foi anulado é a sentença. Haverá uma nova instrução, na qual Bendini poderá se pronunciar sobre esses atos e pode ser novamente condenado”, pontua Jacqueline.

“O STF é uma instituição independente do pleito popular. Não significa que o STF foi o único a enxergar a falha no processo, mas que ele, entre todas as outras instâncias, é o responsável por fazer respeitar a Constituição Federal. E o fez, garantindo a segurança jurídica”, afirma a especialista.

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Prisão após condenação em segunda instância

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Lei de Abuso de Autoridade Entra em Vigor

*Materia publicada originalmente no Portal G1

Colocar presos de mesmo sexo ou menores de idade em mesmo compartimento, dar início a investigação sem indícios ou divulgar nome de detidos, apontando-os como culpados, passou a ser considerado crime. Policiais dizem que mudanças afetam trabalho nas ruas.

Polícias militares e civis de pelo menos 10 unidades da federação (São Paulo, Espírito SantoDistrito FederalBahiaMato Grosso do SulAcre, Paraíba, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul), ouvidas pelo G1, deixaram de publicar em redes sociais, em páginas institucionais e de divulgar à imprensa fotos e nomes de suspeitos ou presos desde o dia 3 de janeiro, quando entrou em vigor a nova lei de abuso de autoridade.

A lei, criticada por juristas e magistrados quando foi sancionada pelo presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido), em 2019, define cerca de 30 situações que configuram abuso e é alvo de questionamentos de organizações que defendem agentes públicos no Supremo Tribunal Federal (STF).

Agora, passam a ser crimes ações que até então eram consideradas infrações administrativas ou atos ilícitos punidos no âmbito cível. Um exemplo são os atos de constranger o detento a exibir seu corpo “à curiosidade pública” ou de divulgar a imagem ou nome de alguém, apontando-o como culpado”. Agora isso pode levar uma autoridade a ser punida com penas de 1 a 4 anos de detenção e de 6 meses a 2 anos, mais multa, respectivamente.

Não é necessário que a vítima acuse o agente público pelo fato. Os crimes são de ação pública incondicionada, quando é dever do estado investigar e punir.

A exceção para divulgação de nome e fotos ocorre com suspeitos foragidos com mandado de prisão em aberto.

Em São Paulo, por exemplo, a Secretaria da Segurança Pública informou que “os policiais são constantemente orientados acerca das legislações em vigor”. “No tocante a lei de abuso de autoridade, simpósio e cursos foram ministrados aos policiais civis pela Acadepol, que, inclusive, editou súmulas de orientação deixando-as disponibilizadas para consulta de todos os agentes.” (leia mais abaixo)

Delegado vê prejuízo e advogados defendem intimidade

Advogados criminalistas e integrantes de corporações policiais divergem sobre a aplicação das novas normas. Enquanto os defensores entendem que há defesa da intimidade e da privacidade de suspeitos, evitando a exposição pública deles antes que sejam condenados pela Justiça, policiais ouvidos pela reportagem entendem que inquéritos podem ser prejudicados, devido à preocupação de não serem punidos pela lei.

Para o delegado Gustavo Mesquita Galvão Bueno, presidente da Associação dos Delegados de Polícia Civil de São Paulo (ADPESP), a proibição da divulgação das imagens de suspeitos “causa prejuízo nas investigações”.

“A divulgação de fotos de presos, não de forma irresponsável e indiscriminada, mas com responsabilidade e em casos com prova de autoria do crime, é um instrumento que nos ajudava a solucionar inúmeros crimes, porque a população reconhecia. Infelizmente, isso será prejudicado, para não dizer, anulado”, diz Bueno.

“Infelizmente, nesta lei, optou-se por privilegiar a privacidade do criminoso do que a segurança pública”, afirma o delegado.

Atos que passam a ser considerados crimes:

  • Divulgação de imagem ou exibição de preso: constranger preso a expor corpo ou submetê-lo à situação vexatória ou constrangimento público e divulgar imagens ou nomes de suspeitos atribuindo a eles culpa por um crime.
  • Identificação: o policial não usar, por exemplo, a tarjeta de identificação na farda, não dizer ou mentir o nome.
  • Condução de detidos: manter, na mesma cela, confinamento ou no carro no deslocamento, presos de sexos diferentes e também crianças e adolescentes até 12 anos.
  • Domicílio: entrar em uma casa ou local sem autorização, sem informar o dono, ou sem autorização judicial.
  • Mandado de prisão: cumprir mandado de prisão à noite ou entrar em local privado à noite, entre 21h e 5h.
  • Interrogatório: continuar questionamentos após preso dizer que quer ficar calado, levar sob condução coercitiva para depoimento sem antes intimar para comparecimento, pressionar ou ameaçar a depor ou obrigar a fazer prova contra si mesmo.
  • Prisão: determinar ou manter prisão ilegal ou deixar de relaxar prisão quando devida.
  • Bloqueio de bens: o juiz decretar a indisponibilidade de valores em quantia que extrapole exacerbadamente a dívida.
  • Investigação: dar início a inquérito sem indício de crime, divulgar trechos da investigação ou gravações com a imagem do preso falando ou prestando depoimento.

A Polícia Militar do Espírito Santo fez uma cartilha de bolso para lembrar aos policiais que, no dia a dia do trabalho, não podem expor, em determinadas situações, o preso a uma situação vexatória, mas diz que continuará repassando à imprensa o histórico das ocorrências, sem divulgar nomes.

A Polícia Civil capixaba também orientou, por meio de um documento interno, seus agentes a tomarem precauções em entrevistas “atentando-se para a não divulgação de dados qualificativos de presos/indiciados/investigados ou qualquer elemento que possa qualificar como criminalização prévia ou exposição da intimidade.”

PM do Espírito Santo faz cartilha 'lembrando' policiais de usar a identificação profissional e para não divulgarem imagens de pressos — Foto: Reprodução

PM do Espírito Santo faz cartilha ‘lembrando’ policiais de usar a identificação profissional e para não divulgarem imagens de pressos — Foto: Reprodução

Orientações sobre divulgação de fotos

As polícias do Distrito Federal e de Santa Catarina informaram que não irão mais divulgar oficialmente fotos dos presos. Já a Polícia Civil do Rio Grande do Sul fez um comunicado interno aos agentes alertando sobre o risco da reprodução indevida de fotos de presos e informando que também não repassaria institucionalmente fotos de detidos ou suspeitos.

Outras corporações militares, como as de Minas Gerais, São Paulo e Amazonas informaram ao G1 que ainda estudam como regulamentar os procedimentos. Em Belo Horizonte, o Estado-Maior da PM (como é denominado o alto comando da corporação) se reuniu ao longo desta semana para finalizar uma recomendação que será emitida a todos os PMs.

Em São Paulo, a Academia de Polícia Civil publicou 10 súmulas orientando delegados sobre como proceder no inquérito, defendendo a independência na investigação e no ato de indiciamento.

“Ao fazer o indiciamento, o delegado está amparado pelo estrito cumprimento de dever legal, que é uma excludente de ilicitude. Ele não pode ser responsabilizado [pela lei de abuso, por apontar uma culpa anterior do suspeito] por estar fazendo o seu trabalho, ele está balizado e respaldado pela independência funcional”, defende o delegado Gustavo Galvão Bueno.

Até o fim de 2019, polícia divulgava imagens de rosto de suspeitos, como o caso de ex-marido preso por ameaçar mulher em Cuiabá — Foto: Polícia Civil de Mato Grosso/Assessoria

Até o fim de 2019, polícia divulgava imagens de rosto de suspeitos, como o caso de ex-marido preso por ameaçar mulher em Cuiabá — Foto: Polícia Civil de Mato Grosso/Assessoria

PM em SP fez comunicado interno

A PM de SP informou que “ainda não editou um comunicado interno oficial” sobre a nova lei, mas que orienta os policiais sobre a legislação em vigor. Oficiais da corporação ouvidos pela reportagem dizem que, desde o dia 3, foram orientados a recomendar “diariamente e exaustivamente” à tropa que sai para o policiamento ostensivo para se precaverem de problemas frente à lei.

Um tenente da corporação ouvido pelo G1 afirmou que não poderá mais enviar imagens de presos em uma operação contra ladrões de casas, por exemplo.

“A foto, eu posso mandar dos produtos furtados da residência. Agora, dos criminosos, tem uma nova lei de abuso de autoridade que foi sancionada e entrou em vigor proibindo enviar fotos dos indivíduos, mesmo que de costas, que exponham ele antes do devido processo legal, antes da formalização de que são eles que realmente que praticaram o crime. Então, tem essa nova lei e estamos limitados”, disse um oficial da PM de SP.

Júlia Duailibi comenta mudanças na lei de abuso de autoridade

Júlia Duailibi comenta mudanças na lei de abuso de autoridade

Impasse na busca por criminoso

“Há casos, como o de um estuprador em série, em que era divulgada a imagem para se buscar mais vítimas, por exemplo. Isso agora não pode mais. Isso é um ponto delicado, vai favorecer o criminoso”, diz o coronel da reserva Elias Miler da Silva, presidente da organização Defenda PM, que reúne oficiais da reserva e da ativa de policiais militares do país.

“A população pode sentir, talvez, que há um ‘estado de impunidade’. Mas, se você está procurando vítimas e não pode divulgar, como fazer?”, questiona Silva.

Nas páginas das corporações na internet e nas redes sociais e na internet, como no caso do Rio Grande do Sul, é possível ver a transição na mudança de ano: até 31 de dezembro de 2019, em notícias divulgadas, há várias imagens de presos. Em janeiro de 2020, não há fotos de detidos nem de costas. Agora há apenas reproduções de materiais apreendidos e informações sobre casos, sem citar o nome de suspeitos.

Polícia Civil do RS para de divulgar nas redes sociais imagens de presos, colocando cartela anunciando a prisão — Foto: Reprodução

Polícia Civil do RS para de divulgar nas redes sociais imagens de presos, colocando cartela anunciando a prisão — Foto: Reprodução

Peritos temem punição

Com temor de que algumas condutas que são necessárias no dia a dia passem a ser consideradas “abuso”, o Sindicato dos Peritos Criminais do Estado de São Paulo (Sinpcresp) pedirá à Secretaria de Segurança Pública do Estado que “regulamente” as condutas dos agentes, para que estejam respaldados no trabalho.

“Vislumbramos várias situações que podem colocar o perito em uma situação em que ele, ao cumprir a função, lhe seja imputado como abuso. A lei diz que você não pode coagir o suspeito a fazer prova contra si mesmo. Mas o perito precisa colher digitais, saliva, fazer exames, coletas em cena de crime. E se o local é a casa de alguém? Ele não vai poder entrar? Isso precisa ser normatizado para que os profissionais estejam amparados e protegidos, com respaldo de que agiram conforme determinado”, diz o presidente do Sinpcresp, o perito Eduardo Becker Tagliarini.

“A lei tipifica condutas muito abertas e estamos orientando nossos peritos a, na dúvida, não fazerem algo sem autorização judicial, como, por exemplo, perícia em telefones apreendidos, o que até hoje não foi regulamentado”, complementa Tagliariani.

Defesa da intimidade

Enquanto alguns agentes públicos acreditam que a lei pode atrapalhar o serviço, a advogada criminalista Jacqueline Valles, professora e mestre em Direito Penal pela PUC de São Paulo, tem uma posição contrária. Para ela, a nova lei define condutas que preservam a privacidade e a intimidade dos suspeitos e também a imagem deles, impedindo que sejam “julgados” publicamente enquanto o fato ainda não foi analisado pela Justiça.

“Eu vejo que, em muitas ocasiões, ao divulgar a foto de um preso, a polícia acaba focando a investigação naquele suspeito, bloqueando oportunidades, o que pode levar a encerrar uma investigação errônea”, diz Jacqueline.

“A Constituição resguarda o direito da imagem e diz que ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado. [A lei] não é um benefício ao preso, é um resguardo de um direito de que ele não seja linchado publicamente por algo que pode vir a ser inocentado. Ao ter sua imagem exposta, a pessoa não tem que se explicar por aquele ato só na Justiça, mas também é alvo de um julgamento

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Mesmo Lula Livre Não Poderá Se Candidatar à Presidência

*Materia publicada originalmente no Portal R7

O ex-presidente Lula, libertado da prisão em Curitiba, nesta sexta-feira (9), após mudança do entendimento do Supremo que possibilitou a soltura de condenados cujos processos ainda tenham recursos judiciais (trânsito em julgado), está impedido de oficializar uma eventual candidatura ao pleito eleitoral de 2022.

O advogado Hélio Freitas de Carvalho Silveira, integrante da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-SP, explica que a condenação por órgãos colegiados em segunda instância — o ex-presidente foi condenado pelo TRF-4 pelo caso do tríplex do Guarujá — enquadra Lula na Lei da Ficha Limpa e, portanto, tira a sua elegebilidade.

“O que pega para ele [Lula] é o problema do tríplex. Se esse processo for para o Supremo [Tribunal Federal] e o recurso [da defesa] for a atendido, aí ele terá condições de elegebilidade, as condições para poder pleitear outras candidaturas”, destacou o advogado.

Segundo Hélio Freitas de Carvalho Silveira, a equipe que representa Lula precisaria conseguir que os seus recursos sejam apreciados pelo STF até o dia 15 de agosto do ano da eleição, prazo para o pedido de candidatura seja oficializado na Justiça Eleitoral, para obter revogação da restrição. “Ele tem até agosto de 2022 para se livrar dos processos”, complementou.

Outros processos judiciais

A jurista e advogada especializada em Direito Penal e Criminologia Jacqueline Valles ressalta que a Lei da Ficha Limpa não depende de “formação de culpa no concreto”, de trânsito em julgado, e tem um critério diferenciado, que envolve a idoneidade da pessoa em termos de elegebilidade.

A especialista afirma que os demais processos nos quais o ex-presidente Lula é réu ou denunciado não o enquadrariam na Lei da Ficha Limpa e, desta forma, o deixariam em condições legais de participar do debate político e de pleitear postos nas próximas eleições.

“Quando a pessoa é condenada e tem confirmada a condenação em segunda instância, a lei já teve a sua constitucionalidade discutida. Essa parte da Lei da Ficha Limpa [processos em que o envolvido ainda é réu] foi julgada inconstitucional”, detalhou a jurista.

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Juiz de Garantias é Fundamental Para Aperfeiçoamento da Justiça

*Materia publicada originalmente no Portal Estadão

Em um tempo em que as relações estreitas entre juízes e acusação são destaque na imprensa nacional, a instituição da figura do juiz de garantias, prevista na Reforma do Código do Processo Penal, se faz urgente. A ideia defendida na Reforma é dividir entre dois juízes as tarefas de promover a instrução criminal e a de fazer o julgamento dos processos.

Hoje, um mesmo profissional cuida de tudo: é o responsável pela fase de investigação, com coleta de depoimentos, provas, e seria o responsável por determinar, por exemplo, quebras de sigilo, escutas telefônicas, medidas cautelares, prisões preventivas, conduções coercitivas e mandados de busca e apreensão. A ele cabe também a tarefa de julgar o caso assim que a denúncia é oferecida à Justiça pelo Ministério Público.

A ideia de estabelecer dois juízes diferentes para as duas fases distintas do processo penal é fundamental para que um julgamento seja o mais isento possível.

E isso acontece na medida em que o profissional que conduzirá o julgamento não esteja contaminado pelas provas colhidas durante a instrução penal. Esse distanciamento do processo de inquérito permite que o juiz analise todo o conjunto probatório de forma mais isenta, já que não teve um contato tão profundo com as provas durante o processo de inquérito.

Não se trata aqui de acusar este ou aquele. Mas é comum que, quando um profissional cuida de todo o processo, como ocorre hoje, atinja a fase de julgamento influenciado tanto pela acusação quanto pela defesa. A divisão, seria, portanto, mais uma garantia de que a Justiça seja feita de forma isenta.

Este modelo é adotado no Chile, França e Itália, por exemplo, e há 10 anos o Brasil tenta importá-lo. A proposta consta no projeto de Reforma do Código do Processo Penal, aprovado em 2009 pela Câmara, e parado no Senado desde então.

*Jacqueline Valles é advogada, mestre em Direito Penal, especializada em Processo Penal e Criminologia, professora universitária e sócia-diretora da Valles e Valles

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Indenização para presos: decisão do STF tem mais caráter simbólico do que efetivo

A decisão do Supremo de indenizar presos que cumprem pena em condições degradantes abriu precedente inédito, mas serviu principalmente para enviar um recado ao Estado: “estamos de olho”

 

 

Por Jacqueline Prado Valles*

 

Em fevereiro, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que presos que vivem em condições degradantes podem receber indenização em dinheiro por danos morais do Estado. A decisão tem repercussão geral, ou seja, vale para todas as situações iguais, e foi baseada no caso de Antônio Nunes da Silva, de 41 anos, que passou sete anos de detenção numa penitenciária de Corumbá (MS), cidade localizada próxima à fronteira com a Bolívia.

Antônio cumpriu sua pena por latrocínio (roubo seguido de morte) em uma cela para oito pessoas, onde viviam quase 30. Sem espaço para deitar, os presos dormiam espremidos na companhia de baratas e outros insetos, em um espaço com pouca ventilação e iluminação natural, e num calor que muitas vezes superava os 30 graus.

Para indenizá-lo pelo tempo em que ficou preso sob essas condições, o STF bateu o martelo e decidiu que ele deve receber 2 mil reais do Estado.

Casos como o de Antônio não são exceção, e sim a regra do sistema prisional brasileiro, que tem mais de 600 mil presos para 370 mil vagas disponíveis. A superlotação dos presídios é evidente, e só este fator seria suficiente para uma verdadeira enxurrada de processos judiciais após o precedente aberto pelo Supremo – não fossem as inúmeras outras situações degradantes a que os presos no Brasil são submetidos todos os dias. Para se ter uma ideia, há relatos de presídios onde os encarcerados ficam sem comer por mais de 14 horas.

 

Onde o Estado entra nisso tudo?

Quem é preso fica sob custódia do Estado e, portanto, é dele a responsabilidade pela integração física e mental do presidiário. Viver em celas superlotadas, ficar em jejum, dormir em meio a insetos e/ou sofrer maus tratos de qualquer espécie…Nada disso está presente no Código Penal brasileiro como formas de punição para crimes que levam um indivíduo ao cárcere.

A pena é estabelecida por um juiz com base nas leis e na Constituição e prevê a privação da liberdade por um tempo determinado e num regime específico – fechado, semiaberto e por aí vai. Por essa razão, faz sentido cobrar que o Estado providencie todas as condições necessárias para que os presos cumpram suas penas sem passar por nenhuma situação degradante.

Mas aí entra outra questão: como definir o que é degradante? Segundo o dicionário Houaiss, degradar é o ato de provocar deterioração, de destruir, estragar. Mas isso tampouco ajuda a entender o que é, na prática, viver ou passar por situações desta natureza, pois se trata de um conceito subjetivo, logo passível de múltiplas interpretações.

Na própria Lei de Execuções Penais – que dita como devem ser aplicadas as penas – há incisos que permitem, em determinadas circunstâncias, que presidiários sejam submetidos a situações que alguns podem considerar degradantes. É o caso do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), segundo o qual presos que tenham cometido crimes dolosos, que pertençam a alguma organização criminosa ou que representem algum tipo de ameaça à sociedade podem ser enquadrados em um regime de detenção especial, que prevê maior grau de isolamento e restrições mais severas de contato com o mundo exterior.

Há relatos de presos que entram no RDD – cuja duração máxima é de até um ano – e saem completamente desequilibrados emocionalmente, sendo que muitos nunca se recuperam. Em tese, essa também poderia ser considerada uma situação “degradante”, mas tem respaldo jurídico e dificilmente avançaria em um processo judicial.

Por isso, por mais que o Estado deva se responsabilizar pelas condições precárias dos presídios, a decisão do STF serve mais como um recado aos governantes do que como medida a ser tomada em todos os casos de agora em diante. A própria indenização definida pelo Supremo mostra que a decisão tem mais um caráter simbólico do que efetivo. O Estado precisa estar mais presente dentro dos presídios e ser mais vigilante quanto às condições a que submete as pessoas que cometeram crimes e que, portanto, agora estão sob sua custódia. E o Judiciário já mandou avisar que está de olho.

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O que os massacres nos presídios dizem sobre o sistema carcerário brasileiro?

Desde o início do ano, centenas já morreram dentro de presídios no Brasil. E isso quer dizer mais sobre nosso sistema prisional do que você pensa.

 

sistema carcerário brasileiroEm janeiro, pelo menos três grandes massacres aconteceram dentro de presídios brasileiros. O primeiro, logo após a virada do ano, aconteceu no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus (AM), onde morreram 56 presos no total. Menos de uma semana depois, a Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Boa Vista (RR), registrou 33 óbitos após uma rebelião. O terceiro e último – pelo menos até a publicação deste artigo – aconteceu no sábado (14), quando 26 homens morreram na Penitenciária de Alcaçuz, localizada na Grande Natal (RN). Ao todo, o sistema carcerário brasileiro já registra mortes em estados como Amazonas, Alagoas, Paraíba, Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina e Paraná – seja por causa de rebeliões ou por razões diversas, como a superlotação.

Mortes dentro do nosso sistema prisional não são exatamente uma novidade. No ano passado, 379 presos morreram sob custódia do Estado nas penitenciárias brasileiras – média de um por dia. Ao que tudo indica, os números de 2017 tendem a ser ainda maiores.

Todo o banho de sangue do início do ano pode ser analisado sob dois pontos de vista diferentes:

De um lado, a imprensa classifica esses massacres como um resultado direto do conflito existente entre as diversas facções criminosas atuantes no país. De outro, juristas e outros especialistas no sistema carcerário brasileiro afirmam que o Estado tem responsabilidade sobre os presos e, portanto, sobre tudo o que acontece dentro das penitenciárias também – incluindo os massacres deste ano.

Para Jacqueline do Prado Valles, advogada criminalista e sócia da Valles & Valles – Sociedade de Advogados, os acontecimentos do início deste ano têm um pouco dos dois cenários descritos acima. Ao mesmo tempo em que há, sim, um conflito entre as facções que coexistem dentro dos presídios, a ausência do Estado dentro das penitenciárias brasileiras também contribui para que a situação chegue ao ponto que chegou.

 

“Onde o Estado falha, a sociedade dá um jeito de se organizar, e isso também acontece dentro dos presídios”

Jacqueline do Prado Valles, advogada criminalista

Segundo Jacqueline, quando o Estado não está presente dentro dos presídios, o poder tende a cair diretamente nas mãos das facções. “Se o governo não disponibiliza médicos para atender os detentos ou transporte para levar as famílias até a cidade onde parentes estão presos, as facções vão viabilizar tudo isso”, conta ela. “Não é à toa que o PCC [Primeiro Comando da Capital, grupo original de São Paulo] tem convênio médico, odontológico, frota de ônibus e até um fundo para bancar cirurgias médicas. E tudo financiado com dinheiro do crime”.

Para ela, a falta de atendimento médico providenciado pelo governo é só um dos inúmeros problemas dentro das prisões. “O Estado falha até mesmo na garantia dos direitos fundamentais de todo indivíduo. Há presídios onde os detentos jejuam por mais de 12 horas, sem falar nas celas superlotadas com praticamente nenhuma entrada de ar”.

Ainda de acordo com a advogada, é muito comum as pessoas confundirem direitos mínimos com regalias quando se referem a presidiários. “Elas esquecem que a pena que um detento cumpre é o encarceramento, a privação da liberdade. Mas, mesmo estando preso, ele continua sendo um indivíduo que come, bebe, dorme, respira e por aí vai”, explica. “Outro exemplo são as famosas ‘saidinhas’, quando o preso é liberado para visitar a família no Natal, por exemplo. Não é uma regalia, é um direito previsto em lei para que o indivíduo que foi preso possa, aos poucos, voltar a conviver em sociedade”.

 

Construir presídios resolve o problema do nosso sistema carcerário?

Essa estrutura é tão profunda que, para acabar com ela, é preciso investigar e chegar até a raiz do problema. E a situação está tão crítica que “construir mais presídios para acabar com a superlotação ou até mesmo endurecer penas são medidas que não resolveriam nada, muito menos enfraqueceriam o poder das facções”, diz Jacqueline. Isso porque, quando se constrói mais celas, trata-se o efeito e não a causa do problema.

Da mesma forma, mudar a situação caótica do sistema carcerário no Brasil – cuja população é a quarta maior do mundo, com mais de 600 mil presos – também envolve o cumprimento das leis penais, que, além do encarceramento como forma de punição, também preveem a ressocialização do indivíduo após o fim da pena. E o Estado também não está presente no momento em que ele retorna à liberdade. Para a advogada, instaurar a pena de morte tampouco resolveria o problema. “É só olhar para países que têm esse tipo de pena previsto em lei”, diz. “Não é que reduziu a criminalidade, ela só aumentou”.

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Verdades e mentiras sobre direito criminal: quem defende bandido também é bandido?

Os advogados criminalistas – profissionais que atuam no direito criminal – são muitas vezes vistos com desconfiança pela sociedade por fazerem a defesa de “criminosos”

 

O direito criminal – também chamado de direito penal – é o segmento do Direito que advoga por aqueles que foram acusados de cometer crimes ou por aqueles que foram vítimas de um. Os profissionais responsáveis por casos desta natureza são os advogados criminalistas.

De acordo com o artigo 5º, inciso LV da Constituição brasileira em vigor, são assegurados os direitos ao contraditório e à ampla defesa a todos os cidadãos brasileiros. Na prática, isso significa que todos – absolutamente todos – podem solicitar os serviços de um advogado criminalista, incluindo aqueles que cometeram crimes. “Até mesmo os autores de chacinas, estupros e outros crimes hediondos?”, você pode estar se perguntando. E a resposta é: sim, até mesmo eles.

direito criminal

Foi muito por causa disso que recaiu sobre os advogados criminalistas o rótulo de “defensores de bandidos”, isso quando eles mesmos não são chamados de criminosos ou, no mínimo, de cúmplices dos acusados.

Este discurso é repetido exaustivamente por aí, sendo adotado até mesmo por jornalistas e outros representantes da mídia. Recentemente, quando houve o caso do ambulante Luiz Carlos Ruas, morto por dois rapazes em uma estação do metrô de São Paulo, o apresentador Rodrigo Bocardi, da TV Globo, sugeriu que os advogados dos acusados deveriam ser presos por não informar à justiça o paradeiro de seus clientes.

Em resposta às declarações do jornalista, a Ordem dos Advogados do Brasil paulista (OAB-SP) divulgou nota afirmando que Bocardi desconsiderou uma “obrigação legal fundamental na relação advogado e cliente, que é o sigilo profissional” ao fazer o comentário – transmitido ao vivo. (Para ler a nota completa, clique aqui). O âncora do Bom Dia SP, telejornal em que fez o comentário, jamais respondeu à entidade.

Fato é que a opinião do jornalista, apesar de irresponsável, não é surpreendente, muito menos inédita. A frase “quem defende bandido também é bandido” é muito comum, pois há a falsa ideia de que o cidadão perde o direito à defesa no instante em que comete um crime, principalmente delitos considerados “indefensáveis”, como infanticídios, estupros e outros da classe de crimes hediondos. Mas não é isso o que diz a nossa Constituição Federal. O direito à defesa não é subjetivo.

Da mesma forma, não é papel do advogado criminalista defender o “bandido” ou a vítima de um crime, mas sim assegurar que as leis sejam cumpridas e que os direitos de seus clientes sejam garantidos. Ainda em nossa Carta Magna, no artigo 133, consta que “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.

Como fazer, então, para que a sociedade mude a visão que tem sobre os profissionais do direito criminal? A resposta está nos próprios advogados. É preciso insurgir contra os comentários absurdos que se faz contra os criminalistas, não deixando declarações equivocadas e levianas como as de Rodrigo Bocardi passarem em branco e deixando sempre claro que ser representante na Justiça de uma pessoa acusada de ter cometido crime não faz do advogado criminalista cúmplice.

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Tribunal do Júri: entenda como funciona o júri popular

Julgamentos de réus acusados de crimes contra a vida contam com a participação da sociedade civil, que forma o chamado Tribunal do Júri, ou júri popular.

 

O que se passa dentro de um tribunal é mistério para muita gente – muitos, inclusive, só têm ideia de como funciona porque já assistiram a um julgamento sendo retratado em filmes ou seriados. Desta forma, além das cenas clássicas de tribunais, casos de grande repercussão nacional também acabam despertando o interesse do público em acompanhar os julgamentos. Em muitos deles, a sociedade civil não só acompanha o processo como também participa dele. É o chamado Tribunal do Júri – ou júri popular, como também é conhecido.

O júri popular nada mais é do que um grupo de pessoas que são convocadas para ajudar a decidir se o réu merece ir para a cadeia ou não. Casos que receberam cobertura intensa da imprensa, como o de Isabella Nardoni e Elize Matsunaga, por exemplo, embora sejam muito diferentes um do outro, se assemelham em pelo menos dois aspectos: ambos são exemplos de crimes contra a vida e ambos tiveram a participação de um júri popular em seus respectivos julgamentos.

Mais abaixo, você vai entender melhor de que forma o júri popular atua e como se dá o julgamento com a presença de membros da sociedade civil no Tribunal do Júri.

 

6 perguntas e respostas sobre júri popular

 

Para quais tipos de crime o júri popular é convocado?

Os membros da sociedade civil podem ser convocados para julgar casos de crimes contra a vida, a exemplo de homicídios dolosos, tentativas de homicídio, infanticídios, incentivo e participação em suicídios e até mesmo aborto.

De acordo com Jacqueline do Prado Valles, sócia do escritório de advocacia Valles & Valles, em São Paulo, “todos os crimes dolosos cometidos contra a vida (quando houve intenção) podem ser levados à júri popular, com exceção dos homicídios dolosos praticados com alguma excludente de punibilidade, a exemplo da legítima defesa”. Nestes casos, o próprio juiz, ao verificar essa circunstância, absolve o acusado. Além disso, para que o Tribunal do Júri seja convocado, é preciso haver provas da materialidade e indícios de autoria do crime doloso.

Crimes conexos ao homicídio, como ocultação de cadáver, também podem ir à júri popular, mas somente em casos em que o dolo do réu – ou seja, a intenção de matar – esteja claro.

 

Como os jurados são escolhidos?

Todo cidadão brasileiro maior de 18 anos e sem antecedentes criminais pode participar de um júri popular. “Até mesmo advogados criminalistas e formadores de opinião pública estão aptos a compor o grupo de jurados”, diz Jacqueline. “Além disso, pessoas que tenham participado de um júri nos últimos 12 meses não podem ser convocadas novamente até o final deste período”.

Os jurados que compõem o Tribunal do Júri são todos membros da sociedade civil. Eles podem tanto se voluntariar para eventualmente serem chamados a participar de um júri como também podem ser convocados por meio de sorteio. Neste caso, o cidadão selecionado não pode se recusar a participar. Se não comparecer ao Fórum na data e horário marcados ou se por ventura se ausentar em algum dos dias de julgamento e não apresentar uma boa justificativa, ele pode responder ao crime de desobediência, podendo pagar multa de um a dez salários mínimos.

São impedidos de participar do Conselho de Sentença (corpo de Jurados) pessoas que também manifestaram predisposição para condenar ou absolver o acusado. Isso pode ocorrer quando as pessoas, por exemplo, vão até a porta do Fórum manifestar a sua opinião quanto ao resultado do julgamento – o que é bem comum em casos de grande repercussão midiática.

 

Quantos jurados formam o Tribunal do Júri?

Ao todo, 21 pessoas são convocadas para comparecer ao Fórum no dia do julgamento. Para que a seção seja aberta, pelo menos 15 delas precisam estar presentes. Caso contrário, é realizado um novo sorteio para definir os substitutos e o julgamento é adiado.

Tendo quórum suficiente para iniciar os trabalhos, dos presentes, somente sete são selecionados para formar o Conselho de Sentença, que é grupo que vai acompanhar todo o julgamento.

Caso alguma das partes – acusação ou defesa – tenha dúvidas sobre a idoneidade do júri selecionado, pode-se pedir o chamado desaforamento para outra comarca da mesma região, ou seja, a transferência do caso para outro local, com nova seleção de jurados.

“Tanto a promotoria quanto a defesa do acusado têm direito de recusar três jurados sorteados para a Tribuna do Júri, e não precisam dar nenhuma razão para isso”, explica Jacqueline.

Todos os jurados selecionados têm a sua identidade protegida e o anonimato garantido por lei.

 

Como se garante que um jurado não tem predisposição a inocentar ou condenar o réu?

“Não é possível garantir com 100% de certeza que os jurados não tenham predisposição para inocentar ou condenar o réu”, afirma Jacqueline. Para que a decisão do júri seja a mais justa possível, porém, ela lembra que os jurados ficam proibidos de conversar entre si sobre o caso, acessar a internet, ler jornais ou até mesmo entrar em contato com a família.

Quando o julgamento demora mais de um dia para ser concluído, os jurados ficam hospedados nas dependências do Fórum ou em um hotel nas proximidades, e não podem ter os dias de ausência no trabalho descontados da folha de pagamento.

 

De que forma o júri estabelece a sentença?

A função do Tribunal do Júri não é estabelecer a sentença que será dada ao réu, mas sim decidir se ele irá ou não para a cadeia. A sentença é determinada pelo juiz com base na decisão tomada pela maioria do júri – ou seja, dos sete que formam o Conselho de Sentença, é preciso haver quatro votos a favor da condenação ou absolvição para que se chegue a um veredicto.

Para tomar a decisão sobre o futuro do réu, os jurados devem responder a uma série de perguntas. “Eles são questionados, por exemplo, se a exposição das provas os convenceu de que a vítima foi morta pelas causas apresentadas, se o réu realmente cometeu o crime ou não, qual o contexto do crime cometido, entre outras”, explica Jacqueline.

 

A sentença do júri pode ser anulada? Em quais circunstâncias?

A decisão do Tribunal do Júri é soberana e protegida pela Constituição. O veredicto não pode ser alterado, ou seja, um juiz não pode inocentar um réu condenado pelo júri ou condenar um que tenha sido inocentado.

Há casos, porém, em que a decisão do júri pode ser anulada a pedido do Tribunal de Justiça. Um exemplo disso é quando os desembargadores decidem que os jurados deliberaram de maneira contrária às provas apresentadas no processo. Se isso acontecer, um novo júri deverá ser convocado para julgar o caso novamente.