A decisão do Supremo de indenizar presos que cumprem pena em condições degradantes abriu precedente inédito, mas serviu principalmente para enviar um recado ao Estado: “estamos de olho”
Por Jacqueline Prado Valles*
Em fevereiro, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que presos que vivem em condições degradantes podem receber indenização em dinheiro por danos morais do Estado. A decisão tem repercussão geral, ou seja, vale para todas as situações iguais, e foi baseada no caso de Antônio Nunes da Silva, de 41 anos, que passou sete anos de detenção numa penitenciária de Corumbá (MS), cidade localizada próxima à fronteira com a Bolívia.
Antônio cumpriu sua pena por latrocínio (roubo seguido de morte) em uma cela para oito pessoas, onde viviam quase 30. Sem espaço para deitar, os presos dormiam espremidos na companhia de baratas e outros insetos, em um espaço com pouca ventilação e iluminação natural, e num calor que muitas vezes superava os 30 graus.
Para indenizá-lo pelo tempo em que ficou preso sob essas condições, o STF bateu o martelo e decidiu que ele deve receber 2 mil reais do Estado.
Casos como o de Antônio não são exceção, e sim a regra do sistema prisional brasileiro, que tem mais de 600 mil presos para 370 mil vagas disponíveis. A superlotação dos presídios é evidente, e só este fator seria suficiente para uma verdadeira enxurrada de processos judiciais após o precedente aberto pelo Supremo – não fossem as inúmeras outras situações degradantes a que os presos no Brasil são submetidos todos os dias. Para se ter uma ideia, há relatos de presídios onde os encarcerados ficam sem comer por mais de 14 horas.
Onde o Estado entra nisso tudo?
Quem é preso fica sob custódia do Estado e, portanto, é dele a responsabilidade pela integração física e mental do presidiário. Viver em celas superlotadas, ficar em jejum, dormir em meio a insetos e/ou sofrer maus tratos de qualquer espécie…Nada disso está presente no Código Penal brasileiro como formas de punição para crimes que levam um indivíduo ao cárcere.
A pena é estabelecida por um juiz com base nas leis e na Constituição e prevê a privação da liberdade por um tempo determinado e num regime específico – fechado, semiaberto e por aí vai. Por essa razão, faz sentido cobrar que o Estado providencie todas as condições necessárias para que os presos cumpram suas penas sem passar por nenhuma situação degradante.
Mas aí entra outra questão: como definir o que é degradante? Segundo o dicionário Houaiss, degradar é o ato de provocar deterioração, de destruir, estragar. Mas isso tampouco ajuda a entender o que é, na prática, viver ou passar por situações desta natureza, pois se trata de um conceito subjetivo, logo passível de múltiplas interpretações.
Na própria Lei de Execuções Penais – que dita como devem ser aplicadas as penas – há incisos que permitem, em determinadas circunstâncias, que presidiários sejam submetidos a situações que alguns podem considerar degradantes. É o caso do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), segundo o qual presos que tenham cometido crimes dolosos, que pertençam a alguma organização criminosa ou que representem algum tipo de ameaça à sociedade podem ser enquadrados em um regime de detenção especial, que prevê maior grau de isolamento e restrições mais severas de contato com o mundo exterior.
Há relatos de presos que entram no RDD – cuja duração máxima é de até um ano – e saem completamente desequilibrados emocionalmente, sendo que muitos nunca se recuperam. Em tese, essa também poderia ser considerada uma situação “degradante”, mas tem respaldo jurídico e dificilmente avançaria em um processo judicial.
Por isso, por mais que o Estado deva se responsabilizar pelas condições precárias dos presídios, a decisão do STF serve mais como um recado aos governantes do que como medida a ser tomada em todos os casos de agora em diante. A própria indenização definida pelo Supremo mostra que a decisão tem mais um caráter simbólico do que efetivo. O Estado precisa estar mais presente dentro dos presídios e ser mais vigilante quanto às condições a que submete as pessoas que cometeram crimes e que, portanto, agora estão sob sua custódia. E o Judiciário já mandou avisar que está de olho.