*Matéria publicada originalmente nos portais Agora-TO e Blog do Patrício Nunes
A discussão sobre a obrigatoriedade da vacinação, em meio a uma pandemia que já matou mais de 157 mil brasileiros e infectou pelo menos outros 5,4 milhões, está na pauta dos brasileiros, da imprensa e chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), que deve analisar ainda este ano se os pais podem deixar de vacinar os filhos. O recurso tem origem em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público de São Paulo contra os pais de uma criança, adeptos da filosofia vegana, para obrigá-los a regularizar a vacinação do seu filho.
O assunto é polêmico e não faltam leis para serem analisadas. A Constituição Federal, em seu artigo 5º, garante direitos individuais, mas também delimita o alcance desses direitos ao bem-estar da sociedade. “Nenhum direito é absoluto. As pessoas não têm uma liberdade de forma ampla. A liberdade vai até o momento em que sua decisão esbarra nos direitos dos outros. Então, durante uma pandemia, algumas de nossas liberdades individuais tiveram que dar espaço para garantir a saúde pública”, afirma a jurista e mestre em Direito Penal, Jacqueline Valles.
Jacqueline avalia que, apesar de aparentemente simples, a decisão do STF tem que ser fundamentada de forma que não haja desrespeito a nenhum direito que está sendo discutido.
A jurista explica que o Direito usa o método da proporcionalidade para solucionar os conflitos de contrapontos de direitos. Esse método se aplica em três teses: adequação, necessidade e proporcionalidade. “No caso da vacina, se discutirá se é adequado, para a erradicação da doença, que se obrigue as pessoas a tomarem vacinas, mesmo contra a sua vontade. Se a resposta for sim, avalia-se se é necessário obrigá-las a se vacinarem para interromper a transmissão. E a última análise considera se é proporcional restringir o direito em nome da saúde pública”, acrescenta Jacqueline.
O fato é que a discussão, a polêmica e a disseminação de boatos sobre a vacinação não é coisa dos tempos atuais. No Brasil, o uso de vacina contra a varíola é obrigatório desde 1846, mas o governo teve que criar uma nova lei em 1904 porque a anterior não era cumprida. “Quando tivemos a Revolta da Vacina, em 1904, havia boatos sobre efeitos colaterais de que quem tomasse a vacina ficaria com as feições de boi. O governo usou o Exército para garantir a imunização, editando inclusive uma nova lei, e o resultado foi um levante popular. Décadas se passaram e a desinformação e disseminação de notícias falsas sobre as vacinas continuam convencendo parte das pessoas de que elas são nocivas, por isso a resistência. Mas é preciso observar que não faltam leis que tornam obrigatória a vacinação para controle de doenças”, completa a jurista.
Além da normativa de 1904, em 1975, durante o governo Médici, foi editada a lei 6.259, que determinou a obrigatoriedade da vacinação. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) também tornou a vacinação obrigatória e, neste ano, o presidente Jair Bolsonaro sancionou a norma 13.979, que dispõe sobre as medidas de combate à pandemia, como o isolamento social e a vacinação obrigatória. “O que não faltam são leis tornando obrigatória a vacinação. O descumprimento implica em perda de direitos. Por exemplo, pais que não vacinarem os filhos não podem matriculá-los em escolas da rede pública”, finaliza a jurista.