Jogador, condenado em duas instâncias na Itália, terá sentença definitiva decretada nesta quarta-feira
Um conselheiro do Santos, representante de uma nova geração no órgão, recebe uma mensagem pedindo contatos que possam falar sobre o caso Robinho, que tem seu desfecho marcado para esta quarta-feira, 19 de janeiro. O conselheiro não responde. Mostra-se claramente receoso em falar sobre o tema, em uma situação que se expande para o clube no qual o jogador se revelou e se tornou ídolo.
Neste momento, no Santos, o assunto Robinho é um tema “proibido” de ser debatido em público. O clube se recusa a fazer qualquer tipo de manifestação, às vésperas do julgamento em terceira instância, na Itália, que definirá uma sentença a respeito da acusação de estupro contra o jogador.
Assim como o amigo dele, Ricardo Falco, Robinho, de 37 anos, foi sentenciado em duas instâncias pela Corte de Apelação de Milão a nove anos de prisão pelo crime de estupro contra uma mulher albanesa, então com 23 anos, em 22 de janeiro de 2013, quando ele atuava pelo Milan. A defesa do jogador recorreu da sentença e, nesta quarta-feira, a Corte de Cassação de Roma vai analisar o recurso.
Em outra mensagem sobre o caso, o clube foi direto: “Não vamos falar sobre esse assunto”. Em outubro de 2020, o Santos havia definido um acordo para o retorno do jogador, naquela que seria sua quarta passagem pelo clube. O negócio, porém, foi desfeito após escutas interceptadas pela Justiça terem chegado ao conhecimento público. Organizações em defesa das mulheres protestaram. Os patrocinadores pressionaram a diretoria. Pelos áudios divulgados, Robinho dava mostras de que tinha conhecimento do estado da vítima. Em dezembro de 2020, veio a condenação em segunda instância. Neste momento, a expectativa silenciosa entre dirigentes, conselheiros e torcedores é de que, caso o jogador seja absolvido na última instância, esse retorno possa ser efetivado.
Para o ex-jogador Edu, que atuou no Santos nos anos 1960 e 1970, Robinho já deveria ter retornado ao clube. Segundo ele, o jogador está sendo perseguido por parte da mídia. “Ele já tinha acertado com o clube e parece que não queriam que ele voltasse. Não todos da imprensa, uma parte. Se acontece algo, é ele o conhecido, a bola da vez. Há alguma inveja contra jogadores que subiram na vida e fizeram sucesso fora. Ele está em uma situação delicada e espero que saia disso, o Robinho é uma pessoa agradável, amigo, que respeita o passado do clube, muito íntegro e correto. Pode ser que tenha feito ou não, talvez não tenha feito nada de errado, mas quem tem o nome famoso é ele”, diz. Em caso de nova e definitiva condenação, porém, o Santos deverá ser o primeiro a virar a página da história, fechando definitivamente as portas para um de seus maiores ídolos.
Nem em um clube de futebol, que em geral se diferencia de uma empresa convencional, um ídolo, tido como um dos mais ilustres funcionários, costuma ficar imune a uma decisão da Justiça, conforme ressalta o executivo de Recursos Humanos, e assíduo torcedor santista, Ânderson Nagado, de 45 anos. “É uma situação complexa, não posso dizer se o Robinho é culpado ou não. Estou de fora do processo. Mas, em qualquer órgão ou empresa, se ele for condenado, a Justiça é soberana. Mesmo que isso seja um paradoxo, o Santos terá de respeitar tal decisão, e sei que irá fazê-lo, mesmo contrária a um de seus maiores ídolos. Neste momento, pela minha experiência, vejo que o clube não pode falar nada mesmo, antes que qualquer sentença seja definida”, observa.
ACUSAÇÃO E DEFESA
Naquela noite entre os dias 22 e 23 de janeiro, outros quatro brasileiros teriam participado do ato. O processo, no entanto, corre à parte, e se encontra paralisado, já que eles deixaram a Itália enquanto as investigações ainda estavam em andamento. No depoimento, a jovem que acusa o jogador e o grupo que estava com ele, disse ter sido convidada por um dos amigos de Robinho a ir ao local.
Ela disse ter sido informada que Robinho ainda aguardava que a sua mulher deixasse o bar, denominado Sio Café, para se aproximar dela. A jovem acusa os brasileiros de a terem induzido a ingerir bebidas alcoólicas e de terem cometido estupro contra ela no camarim.
O julgamento de Robinho e de Falco foi presidido pela juíza Mariolina Panasiti, da 9ª Seção do Tribunal de Justiça de Milão. A juíza teve como um importante instrumento para a decisão as interceptações de conversas telefônicas entre o jogador e outros interlocutores que teriam participado ou presenciado o ato.
As escutas, autorizadas pela Justiça, ocorreram a partir de 2014. Entre as conversas interceptadas, que chegaram à mídia, Robinho diz uma frase em que demonstra ter consciência da condição embriagada da vítima. Em outra, Robinho afirma que não manteve relações sexuais com a vítima, com a qual admite ter feito sexo oral. No caso de Falco, o sêmen dele teria sido encontrado no vestido da jovem.
A defesa de Robinho, comandada na Itália pelo advogado Alexander Guttieres, alega que há dúvidas quanto à participação direta dele e que não houve ato criminoso por parte do jogador. Também considera que a vítima teve relações voluntariamente, sem ter sido induzida a ingerir bebidas alcoólicas.
Como um dos argumentos, a defesa anexou ao processo um dossiê com 42 fotos, encontradas em perfis das redes sociais, que mostrariam que a vítima seria consumidora de bebidas alcoólicas. Logo após a decisão em segunda instância, a defesa do jogador afirmou, enquanto entrava com o recurso: “No exercício da ampla defesa, foram apresentadas novas provas que contribuem ainda mais para a comprovação da inocência de Robinho, entendendo-se que essa inocência já estava claramente evidenciada nos autos desde a primeira instância de julgamento.”
E completou: “A defesa está convencida de que, neste como em muitos processos deste tipo, o perigo real é confundir direito com moral, em detrimento, sobretudo, da liberdade sexual das pessoas e, em particular, das mulheres”, prosseguem os advogados, que se disseram “convictos” de que “a justiça se faz nos tribunais e não nos meios de comunicação.”
JUSTIÇA ITALIANA
A condenação de Robinho e Falco se baseou no artigo “609 bis” do código penal italiano, que se refere à participação de duas ou mais pessoas reunidas para ato de estupro – em que forçam alguém a manter relações sexuais por sua condição de inferioridade física ou psíquica.
Para a advogada criminalista Jacqueline do Prado Valles, sócia-proprietária da Valles e Valles Advogados Associados, a defesa de Robinho terá muita dificuldade em provar a inocência do jogador e reverter as duas primeiras condenações.
“Durante a acusação e a investigação, a Justiça e a polícia italianas tiveram bastante cuidado em coletar as provas periciais. Foi feita a interceptação telefônica e dessas escutas foram colhidas algumas declarações muito comprometedoras em relação a Robinho e os outros acusados. Quando há essas provas técnicas feitas por meio de escutas, perícia e existe ainda a declaração da vítima e exames que comprovam a presença de sêmen de um dos participantes do crime é quase impossível para defesa inocentar”, afirma a advogada, mestre em Direito Penal pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).
Para ela, um argumento da defesa poderia atenuar a situação de Robinho. “A não ser que ela (defesa) alegue que o jogador estava sob influência de drogas, álcool ou outras substâncias e não tinha a mínima noção do que estava acontecendo ou que alegue que estava sendo forçado a fazer aquilo. Pelo que sabemos até agora do caso, esse tipo de defesa não foi apresentada. Então, verificando somente os atos probatórios, a defesa está muito prejudicada pela alegação da inocência dele”, diz.
Jacqueline considera que a Justiça italiana, até o momento, se mostrou convencida de que Robinho teve participação no ato. “A Justiça italiana impõe, com as provas que foram coletadas durante a instrução do processo e a investigação, que Robinho teve uma participação direta no crime, seja praticando o ato com a vítima ou estando junto com os coautores. De acordo com a acusação, a participação dele foi consciente e dolosa”, diz.
Segundo a criminalista, por outro lado, a Justiça italiana é muito conhecida no meio jurídico pela preocupação com os atos processuais. Com base neste rigor processual, haveria uma chance para o jogador. “Isso significa que há possibilidade, mesmo que mínima, de Robinho ser reconhecido como uma pessoa inocente se durante o terceiro julgamento o juiz entender que algum ato processual foi falho. Se isso acontecer, há uma situação de nulidade desse ato e o jogador pode ser inocentado de forma indireta”, ressalta.
CÓDIGO PENAL BRASILEIRO
A defesa do jogador, segundo Jacqueline, teria ainda menos chances de êxito caso tente desacreditar as escutas telefônicas. “Esses atos de escuta feitas por meio de interceptação telefônica ou ambiental são amparados por uma ordem judicial que tem que estar estritamente dentro dos requisitos da sua concessão. Se o juiz italiano, no momento de autorizar essa interceptação, atender aos requisitos legais exigidos para tal decisão, essas provas são legítimas e não poderão ser desconsideradas”, observa.
O argumento de que não houve penetração, mas sexo oral, também é descabido, conforme ela afirma. “O crime que Robinho está sendo acusado não é especificamente caracterizado pela conjunção carnal com penetração vaginal. Quando se fala em ato sexual mediante violência, é qualquer ação que seja feita para satisfazer o desejo sexual do agressor sem o consentimento da vítima, portanto, a ausência de penetração nesse tipo de crime não é um atenuante.”
Mas, mesmo se condenado em terceira instância, Robinho dificilmente seria preso no Brasil, conforme diz Jacqueline. A advogada destaca ainda que a possibilidade de o atleta cumprir pena em território brasileiro também é dificultada pelo Código Penal do País, já que, conforme ela observa, a sentença estrangeira só é aplicada no Brasil em duas situações: a primeira é pela reparação de danos e a segunda, pela homologação para efeitos de tratados.
“Não há conhecimento de um tratado entre o Brasil e a Itália para o cumprimento de pena aqui no Brasil, diferente dos crimes de drogas e entorpecentes, em que há um acordo entre os países. Na prática, o que pode acontecer é o jogador perder o direito de entrar na Europa, mas no Brasil ele fica livre”, conclui.