Violência contra a mulher: características de um homicídio passional

 

Por Jacqueline Prado Valles*

Como levantei no meu último artigo, em boa parte dos casos de violência contra a mulher que chegam até as autoridades, a agressão parte de pessoas próximas à vítima. O homicídio passional representa uma grande parcela dessas ocorrências, e é sobre ele que falarei neste texto.

 

O homicídio passional e suas características

Diferentemente de outros criminosos, os homicidas passionais assumem a culpa e não tentam disfarçar a autoria do homicídio. Após defender alguns desses casos, notei que essa não é a única peculiaridade desse tipo de homicida. Eles, geralmente, possuem outras características em comum.

Há dois tipos de homicídios passionais: um motivado por vingança e outro por uma mágoa ou chateação muito grande. O que difere um do outro é justamente a motivação que levou a pessoa a cometer o crime. Enquanto o primeiro sente ódio e quer se vingar de uma traição ou separação, o segundo não nutre qualquer sentimento negativo pela vítima. Muito pelo contrário, ele a idolatra e se sente atordoado pela ideia de perdê-la.

Minha experiência de mais de vinte anos como advogada criminalista me permitiu conhecer a fundo inúmeros casos dessas duas naturezas. Neste artigo gostaria de compartilhar um caso específico do segundo tipo de homicídio passional.

Para preservar a identidade de meu cliente, tratarei dele por Alberto.

 

O caso

Alberto tem aproximadamente 50 anos, tem estatura mediana e trabalha como torneiro mecânico. Casado com Luísa, sempre foi um homem extremamente apaixonado. Ele idolatrava a mulher, a chamava carinhosamente de Luisinha e a via como um ser humano muito superior a ele. Não conseguia entender como uma mulher tão linda e interessante quanto ela poderia se interessar por ele.

Com o tempo, Alberto começou a perceber que a mulher já não lhe dava tanta atenção, e isso o preocupava. Luísa não parecia mais tão alegre ao lado do marido. Ele passou a acreditar que era insuficiente para fazê-la feliz, e a ideia de ter outro homem em seu lugar o enlouquecia.

Muitas vezes chamado de “corno” pelos amigos, ele permitia que a esposa dividisse sua alegria com outras pessoas. A mulher se divertia, frequentava sambas e festas. Vez ou outra, saia com a desculpa de cuidar de uma senhora, mas Alberto sabia que a verdade era outra.

A ideia de perder Luísa foi torturando Alberto aos poucos, até que ele cometeu um ato que refletiu perfeitamente seu desespero. Já em tribunal, o homem descreveu o ocorrido com a voz embargada por um romantismo incomum, mas que caracteriza o homicídio passional.

Nas palavras do réu, Luísa sentou-se em frente à penteadeira e começou a se embelezar como nunca havia feito. O homem ficou fixado pela beleza da própria mulher e, admirando-a pelo espelho, foi se aproximando lentamente. Envolveu o pescoço de Luísa com as mãos e a enforcou, tomando cuidado para que o rosto da esposa não fosse desfigurado. Após a morte da mulher, Alberto deitou-a na cama do casal e ligou para a polícia, admitindo o crime.

O cuidado que Alberto teve até mesmo para matar a esposa é, na realidade, uma característica muito comum de crimes passionais não motivados por ódio ou vingança. Conversando com ele para ter uma noção melhor do caso, chegou a me dizer que a vida de ambos havia acabado no momento em que ele a matou: a da esposa e a dele próprio.

 

A tese de defesa

Alberto foi apresentado ao júri como um assassino frio, que matou a mulher de forma mecânica (ou seja, com as próprias mãos). Além disso, ajeitou o corpo da vítima antes de chamar a polícia. O homem não demonstrou arrependimento e nunca procurou uma defesa.

Ele foi designado a mim pela juíza responsável pelo caso. Meu papel foi procurar minimizar a duração da pena, mostrando ao júri que, ainda que tivesse cometido um crime daquela natureza, Alberto era atormentado por um nível surreal de paixão.

Durante o processo, procurei apresentar ao júri a outra face de Alberto para que pudessem enxergá-lo com outros olhos.

Não se trata de justificar o crime, mas sim mostrar que a motivação importa e deve ser levada em conta na sentença. Meu trabalho enquanto advogada criminalista é garantir que todas as pessoas tenham direito a um julgamento justo, independentemente do que estão sendo acusadas.

 

O veredito

A princípio, o promotor pediu que o crime fosse encaixado somente como hediondo. Após a defesa, a decisão do júri qualificou o homicídio como privilegiado/hediondo, motivado por relevante valor moral. Ou seja, por sentimentos muito fortes e particulares que muitas vezes fogem à nossa compreensão, e não motivado por simples vingança de um homem traído. A hediondez somente permaneceu em relação ao sufocamento da vítima.

Alberto foi condenado à pena de 8 anos em regime fechado. Ele não permitiu que eu apelasse contra o veredito, aceitou e cumpriu sua pena. Ao final, prontificou-se a ser preso no instante em que saiu a sentença, mas seu pedido de prisão só seria protocolado depois. Ele aguardou em casa por dois meses até que foi intimado a comparecer à delegacia para ser recolhido.

Em momento algum, Alberto atribuiu alguma culpa à vítima, diferentemente de outros casos de feminicídio – tipo de homicídio motivado por misoginia, que é aversão ou ódio a mulheres.

A aceitação da condenação e da pena revela ainda mais uma característica do homicídio passional. O réu busca alívio para seu tormento.Para isso, aceita, inclusive, enfrentar as consequências legais de seus atos.

 

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