O governo federal entregou neste sábado (12), ao Supremo Tribunal Federal (STF), o plano nacional de imunização contra a covid-19. O documento foi entregue pelo advogado-geral da União, José Levi, ao ministro Ricardo Lewandovski, relator das ações que tratam da obrigatoriedade da vacina e outras medidas de combate à pandemia.O que deveria ser motivo de alívio, contudo, rapidamente tornou-se motivo de preocupação.
Fraude
Logo após a divulgação do plano, Batizado de Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19, surgiu uma grave acusação: o grupo de pesquisadores que atuou na consultoria da elaboração do documento afirmou em nota não ter sido consultado na sua redação final.
“O grupo técnico assessor foi surpreendido no dia 12 de dezembro de 2020 pelos veículos de imprensa que anunciaram o envio do Plano Nacional de Vacinação da COVID-19 pelo Ministério da Saúde ao STF. Nos causou surpresa e estranheza que o documento no qual constam os nomes dos pesquisadores deste grupo técnico não nos foi apresentado anteriormente e não obteve nossa anuência”, diz trecho da nota divulgada pelo grupo de pesquisadores.
Em sua conta do Twitter, a dra. Ethel Maciel, Professora e Epidemiologista da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e uma das participantes do grupo, se mostrou surpresa com o documento. “Nós, pesquisadores que estamos assessorando o governo no Plano Nacional de Vacinação da Covid-19, acabamos de saber pela imprensa que o governo enviou um plano, no qual constam nossos nomes e nós não vimos o documento. Algo que nos meus 25 anos de pesquisadora nunca tinha vivido!”, lamentou.
O uso não autorizado da assinatura ou mesmo os nomes dos pesquisadores sem sua autorização ou conhecimento configura crime, na avaliação de advogados ouvidos pelo Vocativo.com. “Caso tenha acontecido o crime de falsificação de documento público, ocorre o crime previsto no Art. 297 do Código penal, com pena de 2 a 6 anos de prisão, que aumenta em 1/6 se a prática ocorreu por funcionário público”, avalia a jurista e advogada criminalista mestre em Direito Penal, Jacqueline Valles.
Com esse ato, o governo Bolsonaro também passa a ser suspeito do crime de falsidade ideológica (Art. 299 do Código Penal). Segundo a lei, é crime omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.
“Considerando esse como um documento oficial do governo, deve-se pressupor que essas pessoas autorizaram a inclusão dos seus nomes nele. Ou seja, que ele foi feito com a participação conjunta desses 36 cientistas. Ao lançarem uma nota dizendo que não viram e não autorizaram a juntada desse documento e que as diretrizes que eles firmaram sequer foram seguidas, então o documento apresenta algo que não corresponde à verdade segundo os próprios cientistas”, alerta Yuri Carneiro Coelho, advogado criminalista, Doutor e Mestre em Direito Penal pela UFBA.
Yuri também ressaltou outros elementos ainda mais graves nesse caso: “Ou seja, você [no caso, o Ministério da Saúde] altera uma situação de verdade sobre um fato jurídico relevante, que são as considerações dos cientistas sobre o plano de vacinação. Eles inclusive atestam que diversos elementos ali, como a ordem de prioridade, não corresponde às recomendações feitas por eles. E pior: o governo disse ao Supremo que concluiu um plano de vacinação, mas não concluiu da maneira que disse”, explicou.
Quem pode ser punido?
Caso seja comprovada a fraude, resta saber qual autoridade deverá responder por ele. “Caso tenha sido o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, quem juntou os documentos, a responsabilidade recairá sobre ele. Se o documento foi encaminhado em conjunto com o governo federal na figura do presidente Jair Bolsonaro, com ambos assinando o documento, a responsabilidade será tanto do presidente, quanto do ministro”, explicou Yuri.
A partir daí, os desdobramentos acontecem também na esfera política. “Nesse caso, o procurador geral da República, Augusto Aras, deverá instaurar uma investigação e requerer auxílio da Polícia Federal”, explica Jacqueline.
“Envolvendo figuras como o presidente ou o ministro da saúde, dependendo do teor exato do documento, também poderá ficar configurado o ato de improbidade administrativa de quem apresentou informações falsas”, explica Daniel Lamounier, mestre em Direito Constitucional e especialista em Direitos Humanos e em Ciências Jurídico-Filosóficas pela Universidade de Coimbra, Portugal.
Seguindo os trâmites, caberá então ao Congresso avaliar. “Seria possível discutir possível crime de responsabilidade. No entanto, quem estabelece se houve ou não crime é o Senado, após autorização da Câmara dos Deputados para processamento”, afirma Daniel. “Dependendo de quem deu a ordem para a juntada do documento, pode configurar sim, crime de responsabilidade e culminar em julgamento de impeachment”, afirma Yuri Coelho.